Questões fundamentais para o desenvolvimento da produção canavieira no Brasil foram debatidas na segunda edição do Cana Summit. Promovido pela ORPLANA (Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil), o evento aconteceu no CICB (Centro Internacional de Convenções do Brasil), em Brasília e reuniu mais de 600 produtores e representantes do setor sucroenergético de diferentes regiões do País.
Durante os dois dias de evento, foram realizados painéis com temas estratégicos para o setor, com a presença de autoridades políticas, especialistas nacionais e internacionais, além de representantes de países produtores de cana, como Colômbia, México e Austrália.
A proposta foi discutir políticas públicas, tendências do mercado, desafios ambientais e outras questões cruciais para o setor. O Agro em Campo fez uma entrevista exclusiva com José Guilherme Nogueira, CEO da Orplana. Acompanhe.
O que representa a realização do 2º Cana Summit em Brasília?
Estamos em Brasília para fincar a nossa bandeira, trazer nossas demandas e agradecer por tudo o que a cana significa para nós. Reunir 600 produtores do Brasil inteiro é um grande desafio, mas também demonstra a força do setor. Este evento só foi possível graças ao apoio dos nossos patrocinadores, que estão ao nosso lado na luta pelos interesses do produtor de cana. Eles conhecem nossos desafios e compartilham da nossa dedicação à terra e à produção.
Como o evento reflete a importância da cana no Brasil?
Tivemos 600 inscrições para este evento, o que reforça a relevância do setor. Muitas vezes, dentro do próprio mercado, não temos plena consciência da representatividade da cana. Cerca de 35 a 40% da produção nacional vem de fornecedores independentes, e precisamos garantir que suas necessidades sejam reconhecidas. São milhares de famílias e trabalhadores que dependem da cana e são fundamentais nesse processo.
Qual é a relevância política desse evento em Brasília?
Este evento marca mais uma vez a presença do produtor rural junto ao parlamento brasileiro. Aqui discutimos não apenas riscos e oportunidades, mas também as dificuldades enfrentadas pelos produtores. Levamos nossas pautas ao cenário nacional para buscar soluções e fortalecer a interlocução com os tomadores de decisão.
Quais temas foram debatidos durante o evento?
Discutimos vários aspectos importantes, como mercado, concentração de cana nas usinas e entre produtores, sucessão familiar e rentabilidade da cultura. Essas discussões serão levadas para as associações, onde poderemos aprofundar os debates e estruturar projetos de ação em âmbito local.

Como foi a participação internacional no evento?
O painel internacional, conduzido pela Organização Internacional do Açúcar, trouxe uma perspectiva ampla, incluindo experiências da Austrália e da Colômbia. Isso reforça a importância do Brasil no mercado global. No entanto, temos um desafio: apenas 40% dos produtores brasileiros estão representados, enquanto em outros países esse percentual chega a 90 ou 95%. Precisamos fortalecer essa representatividade para viabilizar um crescimento sustentável.
Qual a importância de manter essa conexão com os parlamentares?
Estar em Brasília é essencial para fortalecer nossa relação com os parlamentares e mostrar a relevância da canavicultura brasileira. Nosso objetivo é trazer os principais desafios do setor para a agenda política, garantindo que os produtores tenham mais voz e mais viabilidade para continuar produzindo com qualidade e eficiência.
Quais são as perspectivas para a próxima safra?
Temos uma expectativa de safra menor em relação ao ano passado. Em 2023/2024, colhemos 658 milhões de toneladas. A safra que fechamos agora, em 2024/2025, ficou em torno de 618 milhões, e a próxima deve ficar entre 598 e 600 milhões de toneladas. Como as safras são muito próximas, é importante esclarecer esses números para evitar confusões.
O que esperar da nova safra: mais açúcar ou mais etanol?
A expectativa é de uma safra mais açucareira. As usinas investiram bastante para concentrar a produção de açúcar, porque o preço está melhor. Antes, o mix era de 56% a 57%, agora pode chegar a 62% ou até 63%. Como muitas usinas já travaram 70% dos preços, deve ser uma safra com muito açúcar — se o clima ajudar e não houver grandes problemas industriais. Já, para o etanol, o milho deve suprir parte do que não vier da cana.
Como o cenário internacional pode impactar o mercado brasileiro de açúcar?
Primeiro, é importante avaliar todos os países exportadores de açúcar. Observamos isso com clareza, e ficou evidente que Austrália e México não estavam presentes. O México, por exemplo, exporta cerca de 5 milhões de toneladas de açúcar para os Estados Unidos, sendo o principal fornecedor. Os EUA, por sua vez, não vão aumentar sua produção interna, então, com as tarifas recíprocas aplicadas, esse açúcar chega lá sendo sobretaxado em 10%. Isso com certeza vai impactar o consumidor final. A grande questão é: até que ponto esse consumidor vai pagar por isso?
Sobre o cenário internacional e política tarifária do governo Trump. Como o Brasil está posicionado frente a essa política tarifária?
Na lista que temos, que veio desde o governo Trump, essa taxação recíproca ficou em 10%, e o Brasil está entre os países com as menores taxas. Mas a grande discussão é: como os produtos que contêm açúcar, como refrigerantes e doces, vão reagir a isso? O consumo de açúcar nos Estados Unidos é muito diferente do nosso — eles usam muito mais. Aqui no Brasil, o mercado interno consome no máximo 1 milhão de toneladas; o restante, cerca de 34 milhões, vai para exportação. As indústrias americanas que dependem de açúcar, como as de refrigerantes e confeitaria, devem pressionar o governo, pois esses custos vão subir e isso pode gerar um efeito inflacionário.
E sobre o etanol, o que podemos esperar?
O impacto é outro. Os EUA não conseguem produzir todo o açúcar que consomem, mas o etanol, sim, porque produzem a partir do milho. Então, o que pode acontecer é uma migração para o uso de glucose de milho, um substituto parecido com o mel. Isso pode acontecer na indústria alimentícia. Vai acontecer já? Acho difícil, mas é um impacto possível, e temos que estar atentos.
A política de carbono da Califórnia influencia esse cenário?
Sim, a Califórnia tem uma política clara nesse sentido. Mesmo com o etanol sendo mais barato lá, eles importam o nosso por causa da menor intensidade de carbono. Não é só o preço que pesa, é a questão ambiental. Mas o comportamento do consumidor é complexo. Se aumenta 10%, será que as empresas conseguem repassar isso para o consumidor? Será que elas perdem margem? Esse ajuste costuma acontecer de forma lenta, com redução de volumes exportados até o mercado se ajustar.
A tarifa de 10% imposta pelos EUA ficou dentro do esperado?
Eu esperava um percentual pior, algo em torno de 18%. Os EUA fizeram uma avaliação completa: inflação, negociação, competitividade. Quando temos custos baixos de produção e somos competitivos na exportação, conseguimos entrar nesses mercados. O problema é quando somos usados como moeda de troca em acordos comerciais, e é isso que a gente quer evitar.
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