Fundada em 2009, a Cooperativa Turiarte nasceu da união de mulheres que transformam sementes, fibras vegetais, escamas de peixe e argila marajoara em peças artesanais únicas. Localizada em comunidades ribeirinhas de Santarém, no oeste do Pará, a cooperativa se tornou um espaço de resistência cultural e inclusão social, garantindo renda e reconhecimento para mulheres amazônicas.
Com 180 cooperados — sendo 114 mulheres artesãs — a Turiarte atua em 12 comunidades, entre áreas de assentamento e reservas extrativistas. Além do artesanato, a cooperativa apoia iniciativas ligadas à agricultura familiar, piscicultura, meliponicultura e turismo comunitário.
A viagem até Anã
O portal Agro em Campo partiu de Alter do Chão ainda pela manhã. A chuva da madrugada havia deixado o céu encoberto e o rio Tapajós revolto, com ondas que batiam no casco do barco a motor e o jogava de um lado para o outro. Durante cerca de duas horas, a embarcação cortou as águas verdes e densas, margeadas pela floresta. Ao entrar no rio Arapiuns, o cenário se transformou: o ritmo do motor se misturou ao canto de pássaros e à calmaria da mata, revelando a entrada na comunidade de Anã.

De acordo com informações obtidas no site da Prefeitura de Santarém, Anã é composta por 87 famílias, com um total de 342 moradores. A comunidade se organiza em torno do turismo comunitário, hospedarias, trilhas, culinária regional e atividades ligadas ao manejo de peixes e abelhas, que são oferecidas aos visitantes que desejam vivenciar a floresta e suas águas cristalinas de maneira próxima aos moradores.
Piscicultura e meliponicultura como sustento
Um dos pilares da comunidade é a piscicultura. O projeto, iniciado em 2000 e reforçado em 2004 pelo grupo Mulheres Sonhadoras em Ação (Musas), envolve 12 famílias. A produção abastece a alimentação local e o turismo, garantindo equilíbrio entre consumo e renda.
Outra atividade em destaque é a meliponicultura. Vinte e duas famílias chegaram a cuidar de 700 enxames da abelha Canudo, espécie sem ferrão. A seca de 2024 reduziu a produção, mas, em média, chegam a extrair 400 quilos de mel orgânico por ano. O produto é uma das joias da comunidade. “Essa abelha não aceita alimento artificial, só néctar e pólen. É um mel puro e único da Amazônia”, explicou o meliponicultor Aldair José Goudinho Imbiriba, enquanto mostrava os potes dourados aos visitantes.
Voz feminina no cooperativismo
Natália Dias Viana, 24 anos, presidente da Turiarte, carrega no discurso a força de quem cresceu vendo a mãe construir o cooperativismo. Nascida na Vila Brasil, às margens do rio Arapiuns, ela foi secretária da cooperativa ainda adolescente e hoje lidera 180 cooperados.

“Trabalhamos com artesanato e turismo, mas também apoiamos indiretamente outros projetos, como a piscicultura, a meliponicultura e a agricultura familiar. Nosso papel é valorizar a cultura e garantir que as mulheres tenham renda e autonomia”, afirmou.
Ela detalha a gestão descentralizada da Turiarte: cada comunidade tem um coordenador responsável por trazer demandas e compartilhar informações. “O cooperado precisa entender seus direitos e deveres. O artesanato é mais que um produto, é nossa história e nossa cultura. Se não houver comercialização, corremos o risco de perder esse legado”, ressaltou.
Segundo Natália, a demanda pelo artesanato cresceu com a aproximação da COP 30 e com a participação em feiras internacionais. “Estamos quase sem espaço para novos pedidos. Nosso trabalho é manual, exige tempo e dedicação. Por isso precisamos de estratégias para crescer com qualidade”, destacou.
Tradição que atravessa gerações
Entre as mãos que mantêm viva essa herança está a de Ivaneide de Oliveira, a Dona Neide, 47 anos. Sentada em frente a sua casa na comunidade de Urucureá, ela trançava pacientemente a palha do tucumã, transformando-a em cestos e peças que carregam a identidade amazônica.

“Aprendi com minha mãe, que aprendeu com a dela. Hoje já ensinei à minha filha. É um trabalho que passa de geração em geração. O artesanato é nossa marca e precisa ser valorizado”, contou.
O gesto repetido ao longo dos anos, segundo ela, é também uma forma de resistência. “A cooperativa trouxe muitos benefícios para nossas famílias. Além da renda, nos deu independência. Cada peça é mais que um objeto, é a continuidade da nossa cultura”, completou.
Reconhecimento internacional
Com apoio do Sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) e da ApexBrasil, a Turiarte avançou no posicionamento digital, participou da Expotextil em Bogotá, na Colômbia, e realizou sua primeira exportação em 2023. O passo reforça a capacidade de o cooperativismo amazônico acessar mercados globais sem abrir mão da preservação cultural e ambiental.
“Nosso sonho é consolidar as exportações. Já estamos nos preparando com cursos e treinamentos. O mercado internacional é exigente, mas queremos levar a arte da floresta para o mundo”, afirmou Natália.
Mais que artesanato: desenvolvimento local

A Turiarte integra artesanato, turismo e inclusão social, ao mesmo tempo em que fortalece políticas públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos Indígenas (PAA Indígena). O modelo mostra como o cooperativismo pode ser solução local para desafios globais, alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como igualdade de gênero, trabalho decente e combate às mudanças climáticas.
“É muito mais do que só o artesanato. Para nós é a nossa história, nossa riqueza, nossa cultura”, concluiu Natália.