Resumo da notícia
- A Embrapa Pesca e Aquicultura, em parceria com a UFMG, desenvolveu um sistema de inteligência artificial que prevê o momento reprodutivo do pirarucu, facilitando sua criação no Brasil com alta precisão.
- O sistema usa 12 câmeras para monitorar o comportamento dos peixes em viveiros, registrando automaticamente suas subidas à superfície, eliminando a necessidade de observação humana contínua e subjetiva.
- A tecnologia aplica redes neurais profundas treinadas com vídeos em diferentes condições ambientais, garantindo o reconhecimento preciso dos peixes e seus movimentos em diversas situações climáticas.
- O projeto adapta ferramentas da neurociência, como o software DeepLabCut, para a aquicultura, posicionando o Brasil na vanguarda da criação inteligente de espécies nativas e inovando no setor.
Uma tecnologia que até pouco tempo era exclusiva de laboratórios de neurociência está transformando a criação de pirarucu no Brasil. A Embrapa Pesca e Aquicultura, em Palmas (TO), desenvolveu um sistema inédito de inteligência artificial capaz de prever com precisão o momento reprodutivo do Arapaima gigas, o gigante das águas amazônicas que pode ultrapassar 100 quilos.
O projeto, realizado em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), adapta técnicas de rastreamento comportamental originalmente desenvolvidas para estudos com roedores. A iniciativa coloca o Brasil na vanguarda da aquicultura inteligente, área ainda pouco explorada no país.
“Aplicações em piscicultura, especialmente com espécies nativas como o pirarucu, representam uma nova fronteira”, afirma o professor Cleiton Aguiar, da UFMG, coordenador do projeto. Segundo ele, enquanto a inteligência artificial já é amplamente utilizada em setores como saúde e agronegócio de grãos, sua aplicação na criação de peixes nativos ainda é praticamente inexistente no país.
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Como funciona o sistema de monitoramento inteligente
O mecanismo desenvolvido pelos pesquisadores utiliza 12 câmeras instaladas em viveiros escavados, registrando continuamente o comportamento dos peixes das 6h às 18h. Como o pirarucu possui respiração aérea obrigatória, precisa subir regularmente à superfície. Cada aparição é detectada automaticamente pelo sistema de IA, que marca a posição exata no viveiro.

“A máquina conta quantas vezes o pirarucu sobe e gera uma planilha com dia, hora e coordenadas de cada aparição”, explica Lucas Torati, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura. O sistema elimina a necessidade de observação humana contínua, que além de cara, é limitada e subjetiva.
Aprendizado de máquina: ensinando computadores a reconhecer peixes
Por trás da aparente simplicidade do monitoramento está um complexo processo de aprendizado de máquina. Os pesquisadores utilizam redes neurais profundas, modelos computacionais inspirados no funcionamento do cérebro humano, compostos por múltiplas camadas de processamento.
O treinamento começa com a marcação manual de cerca de 200 quadros de vídeo, identificando os quatro cantos do viveiro e as diferentes partes do corpo do peixe (cabeça, tronco e cauda). A partir desses exemplos, a rede neural aprende a reconhecer automaticamente os padrões em novos vídeos.
A precisão do sistema depende da variedade de condições incluídas no treinamento. “É necessário utilizar imagens com diferentes condições de luminosidade – manhã, meio-dia e entardecer – e em diversas situações climáticas: sol, nuvens e chuva”, detalha Torati. Esse treinamento minucioso garante que o sistema funcione eficientemente em todas as condições ambientais.
Da neurociência à aquicultura: adaptando ferramentas científicas
O projeto utiliza o DeepLabCut (DLC), um software de código aberto amplamente empregado em pesquisas de neurociência para rastrear movimentos de animais. No Laboratório de Neurociências Comportamental e Molecular (LANEC) da UFMG, a ferramenta é usada principalmente para analisar o comportamento de ratos em tarefas de aprendizagem.
A engenheira e doutoranda Natália Martínez, do Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG, colabora na adaptação dessa tecnologia para o contexto da aquicultura. A diferença fundamental está no objetivo: enquanto nos roedores o foco é compreender mecanismos de memória e aprendizagem, no pirarucu a IA monitora padrões que refletem bem-estar, crescimento e comportamento reprodutivo.
Detecção precoce: o santo graal da piscicultura de pirarucu
O grande desafio enfrentado pelos produtores está na identificação do momento exato da formação do ninho. Após receberem implantação hormonal, o casal de pirarucus forma um ninho onde a fêmea deposita os ovos para serem fertilizados pelo macho.

Durante o cuidado parental, comportamento característico da espécie, o casal permanece sempre no mesmo local e para de buscar alimento. A identificação precoce desse momento é crucial para o sucesso da produção.
“Se fosse possível coletar ovos recém-fertilizados, certamente aumentaria a taxa de sobrevivência”, destaca Torati. Atualmente, os produtores perdem milhares de alevinos pela demora em retirá-los dos viveiros. O sistema de IA promete identificar o momento exato da formação do ninho, permitindo intervenção no tempo ideal.
Além da reprodução
As aplicações da inteligência artificial na criação de pirarucu vão muito além do monitoramento reprodutivo. Os pesquisadores vislumbram um leque de possibilidades para os próximos anos.
O sistema poderá avaliar como fatores ambientais – temperatura da água, níveis de oxigênio e amônia – interferem na frequência respiratória dos peixes. Também será possível identificar períodos de maior atividade, medir níveis de estresse pós-manejo durante biometrias e até detectar reflexos comportamentais de diferentes doenças.
“A IA permite monitorar eficiência alimentar e consumo de comida automaticamente, sem contagem manual”, projeta Torati. Uma perspectiva ainda mais ambiciosa é o cálculo automático de biomassa através de análise fotográfica, eliminando a necessidade de manejos estressantes em peixes que podem superar 100 quilos.
Financiamento e parcerias estratégicas
O projeto conta com recursos do consórcio internacional de pesquisa Aquavitae, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Tocantins (FAPT) e de emenda parlamentar do senador Eduardo Gomes (Tocantins). A colaboração entre Embrapa e UFMG demonstra o potencial da união entre instituições de pesquisa para desenvolver soluções inovadoras para desafios brasileiros.
A tecnologia desenvolvida representa um salto qualitativo para a aquicultura nacional. Ao transformar dados comportamentais em informações quantitativas, padronizadas e contínuas, o sistema facilita a tomada de decisões no manejo e aumenta a previsibilidade da produção.
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Para um setor que busca expansão sustentável e maior competitividade, ferramentas como essa podem fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso comercial. O pirarucu, valorizado no mercado nacional e internacional, ganha aliados tecnológicos para consolidar sua posição como uma das principais espécies da piscicultura brasileira.