Substância extraída da peçonha da vespa Polybia occidentalis mostrou potencial para combater a formação das placas de proteína tóxicas associadas à doença neurodegenerativa
Foto: FAPDF

Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) estão abrindo um caminho científico promissor e genuinamente brasileiro na luta contra o Alzheimer. Eles investigam o potencial terapêutico de uma substância extraída da peçonha da vespa social Polybia occidentalis para combater os mecanismos biológicos dessa doença neurodegenerativa que afeta mais de 1,2 milhão de pessoas no Brasil.

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Equipe coordenada pela professora Luana Cristina Camargo (ao centro) em parceria com pesquisadores de diferentes áreas. Foto: FAPDF

Liderados pela professora Luana Cristina Camargo, do Instituto de Psicologia da UnB, o estudo multidisciplinar identificou que um peptídeo batizado de Octovespina, derivado do veneno do inseto, pode modular o acúmulo da proteína beta-amiloide no cérebro. O acúmulo dessa proteína em forma de placas é um dos principais eventos patológicos que desencadeiam o Alzheimer. Atrapalhando a comunicação entre neurônios e levando à degeneração celular.

Da vespa ao laboratório: a jornada de uma molécula promissora

A história da pesquisa começou há cerca de 25 anos, com os estudos da neurocientista Márcia Mortari sobre os efeitos neuroativos do veneno de marimbondos. A observação inicial de que a picada podia paralisar outros insetos despertou a hipótese de que compostos do veneno atuavam no sistema nervoso.

A partir da ocidentalina-1202, um composto extraído diretamente da peçonha, os cientistas realizaram modificações em laboratório para criar a Octovespina, uma versão otimizada com foco específico no Alzheimer. Experimentos em animais já demonstraram resultados encorajadores. A substância não apenas impediu a formação de novos aglomerados de beta-amiloide, mas também amenizou déficits cognitivos, como a perda de memória, em camundongos que já apresentavam sintomas da doença.

“Um dos grandes limitantes das pesquisas é o fato de que muitas vezes elas não olham para a parte do comportamento. A octovespina conseguiu interferir no mecanismo e melhorar os déficits”, explica a professora Luana Camargo.

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Inovação na entrega: A aposta em um spray nasal

Um dos maiores desafios no tratamento de doenças cerebrais é a barreira hematoencefálica. Ela é uma estrutura protetora que também impede a entrada da maioria dos medicamentos no sistema nervoso central. Para contornar este obstáculo, os pesquisadores da UnB estão desenvolvendo uma via de administração inovadora: um spray nasal.

Esta abordagem, considerada uma das mais promissoras, utiliza a mucosa nasal como rota direta para que compostos bioativos alcancem áreas cerebrais relacionadas à memória e cognição. O método promete maior eficiência, redução no tempo de resposta terapêutica e menos efeitos adversos em comparação com métodos invasivos.

Simulações de ponta e uma longa estrada pela frente

Para otimizar tempo e recursos, a equipe da UnB, que inclui físicos, farmacêuticos e biólogos, utiliza simulações computacionais de alta performance para prever as interações moleculares entre o peptídeo e as proteínas do cérebro.

Esses modelos teóricos, que demandam capacidade de supercomputadores do Brasil e dos EUA, já indicaram um achado ainda mais empolgante. A Octovespina pode ter o potencial não só de retardar, mas de desfazer aglomerados de beta-amiloide já formados.

Apesar do otimismo, os pesquisadores são realistas sobre o caminho a percorrer. A estimativa é de que sejam necessários pelo menos mais dez anos de pesquisa antes que um medicamento potencial chegue ao mercado. O percurso envolverá mais testes pré-clínicos, estudos para definir dosagens e segurança, e finalmente, ensaios clínicos em humanos, sujeitos à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Outras frentes brasileiras e a esperança de um novo paradigma

A pesquisa da UnB se destaca em um cenário nacional de importantes descobertas sobre o Alzheimer. Cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo, publicaram um estudo na Nature Neuroscience mostrando que o acúmulo de proteínas tóxicas precisa estar associado a um processo inflamatório cerebral para que a doença se estabeleça. Esse entendimento pode reorientar o desenvolvimento de futuros tratamentos, que deverão mirar não apenas as “pedrinhas” (as placas de proteína), mas também “acalmar a conversa inflamatória” entre as células do cérebro.

O trabalho com a Octovespina reforça, assim, o papel estratégico da biodiversidade brasileira como fonte inesgotável para a bioprospecção e a inovação terapêutica. Transformar moléculas da rica fauna nacional em tecnologias de alto impacto global representa uma mudança de paradigma. Da busca por apenas aliviar os sintomas do Alzheimer para a possibilidade real de interromper sua progressão.