O cooperativismo na Amazônia assume múltiplas faces e mostra que há caminhos possíveis para conciliar produção agrícola, inclusão social e preservação ambiental. Enquanto na comunidade de Anã, em Santarém, o turismo ecológico fortalece famílias ribeirinhas e protege o ecossistema; em Tomé-Açu, no nordeste do Pará, agricultores encontraram na agrofloresta a resposta para frear a degradação causada pela expansão da pecuária e da soja. Neste município, a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA) se tornou símbolo de inovação, tradição e desenvolvimento sustentável — um modelo replicável para toda a Amazônia.

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Quase um século de cooperação

Fundada em 1929 por imigrantes japoneses, a cooperativa nasceu em meio ao desafio de adaptar cultivos tropicais ao clima e ao solo amazônicos. Com o tempo, consolidou-se como protagonista na difusão de técnicas agrícolas e na criação de alternativas sustentáveis para crises enfrentadas pela região. Hoje, reúne mais de 600 famílias cooperadas e alcança um faturamento anual superior a R$ 124 milhões.

Alberto Oppata, Presidente da CAMTA – Foto: Pedro H. Lopes/ Agro em Campo

Seu parque agroindustrial permite beneficiamento e exportação de cacau, açaí, pimenta-do-reino, cupuaçu, maracujá e outras frutas tropicais. Os produtos chegam a mercados como da Europa, Ásia e América do Norte. Cada um leva consigo não apenas qualidade e rastreabilidade, mas também a marca de uma agricultura que respeita o meio ambiente e valoriza a diversidade cultural local.

“Estamos celebrando também os 96 anos da imigração japonesa, que trouxe conhecimento agrícola e visão de comunidade para esta região”, recorda o presidente da cooperativa, Alberto Oppata. Para ele, o segredo da longevidade está na resiliência: depois da praga que dizimou a pimenta-do-reino nos anos 1960, os produtores aprenderam que diversificação e inovação eram o único caminho.

Agrofloresta como alternativa de futuro

O grande diferencial da cooperativa está na difusão dos Sistemas Agroflorestais (SAFs), em que culturas agrícolas se misturam com espécies nativas da floresta. Essa integração recupera áreas degradadas, melhora o microclima, protege a biodiversidade e garante renda contínua ao agricultor.

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Ernesto Suzuki, Cooperado CAMTA/ CEO Casa Suzuki – Foto: Pedro H. Lopes/ Agro em Campo

Um exemplo emblemático é o SAF dendê, conduzido pelo cooperado Ernesto Suzuki. Desde 2008, em parceria com a Natura, a Embrapa e instituições de pesquisa, ele testa técnicas de cultivo sustentável da palmeira, combinada a espécies como cacau, açaí e andiroba. O resultado é produção sem queimadas, com adubação orgânica e baixo custo de manutenção. “Hoje, conseguimos produzir dendê, cacau, açaí e andiroba juntos, mantendo equilíbrio ecológico e garantindo receita desde o primeiro ano”, explica Suzuki.

Além da produção agrícola, Suzuki criou a Casa Suzuki em 2023, espaço dedicado à valorização da biodiversidade. Lá, cacau é transformado em chocolates finos, pesquisas com cogumelos avançam em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e turistas vivenciam experiências únicas, como o banho de floresta.

Histórias que preservam a memória e a floresta

A diversidade também marca a trajetória da família Mineshita, que há mais de três décadas aposta no sistema consorciado como forma de enfrentar pragas e garantir renda estável. Em 20 hectares, sendo 15 cultivados, o engenheiro agrônomo Armando Tamotsu Mineshita produz cacau, açaí, cupuaçu, banana, pitaya, rambutan e mangostão.

Armando Mineshita, agricultor e cooperado CAMTA – Foto: Pedro H. Lopes/ Agro em Campo

O modelo adotado cria um microclima que mantém a umidade, reduz o uso de adubos químicos e proporciona conforto até na hora da colheita. “Trabalhar no sol é difícil, mas aqui, pela manhã ou à tarde, a temperatura é sempre agradável”, comenta o agricultor. A produção atual chega a 10 toneladas de cacau, 7 de açaí e 7 de cupuaçu por ano.

Para Mineshita, a grande lição é que a diversificação gera riqueza. “Aqui, aprendemos que é possível produzir em grande escala e, ao mesmo tempo, cuidar da floresta. A diversidade protege e fortalece a produção.”

Inovação, inclusão e bioeconomia

A Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu não é apenas uma associação de produtores. É também espaço de pesquisa, formação técnica e valorização social. A organização promove cursos de capacitação, mantém parcerias com universidades e empresas privadas e incentiva a participação feminina na gestão, com um comitê voltado para mulheres cooperadas.

Foto: Pedro H. Lopes/ Agro em Campo

Com esse trabalho, a cooperativa se tornou exemplo da bioeconomia amazônica, em que biodiversidade e conhecimento científico se transformam em geração de renda e oportunidades. Reconhecida nacional e internacionalmente, a experiência de Tomé-Açu é estudada por universidades e organismos multilaterais como modelo de agricultura tropical sustentável.

Símbolo da Amazônia que dá certo

As histórias de Oppata, Suzuki e Mineshita mostram que o futuro da Amazônia pode ser construído com base em tradição, ciência e cooperação. Mais que produzir alimentos, a cooperativa e seus associados criam uma narrativa de resistência e esperança: a de que é possível conciliar floresta em pé, qualidade de vida no campo e desenvolvimento econômico.

Com quase um século de história, a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu permanece como símbolo vivo de que a agricultura amazônica não precisa repetir o modelo predatório. Ao contrário: pode ser inspiração para o Brasil e para o mundo.