Unicamp desenvolve tecnologia verde que transforma farelo de soja em suplemento de alta absorção. Processo elimina solventes tóxicos e aproveita cascas de cacau descartadas pela indústria
Foto: Divulgação - Secretaria de Agricultura e Abastecimento de SP

O que fazer com toneladas de farelo de soja que sobram depois da extração do óleo? E com as cascas das amêndoas de cacau, aquelas fibras que cheiram a chocolate mas acabam no lixo? Pesquisadores da Unicamp encontraram respostas para essas perguntas. E elas envolvem ondas ultrassônicas, alta pressão e zero desperdício.

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No Laboratório Multidisciplinar de Alimentação e Saúde da universidade, uma equipe liderada pelo engenheiro de alimentos Pedro Henrique Santos desenvolveu um método que extrai isoflavonas do farelo de soja de forma completamente sustentável. As isoflavonas são compostos que a indústria usa em suplementos, cosméticos e alimentos funcionais por seus benefícios à saúde: combatem doenças cardiovasculares, ajudam no controle da diabetes, tem ação anticancerígena e ainda aliviam sintomas da menopausa.

Adeus aos solventes tóxicos

O problema é que os métodos tradicionais para extrair essas substâncias usam solventes químicos prejudiciais ao meio ambiente e demoram horas pra completar o processo. “Nossa pesquisa buscou resolver essa questão aplicando uma tecnologia inovadora”, explica Santos. A solução? Combinar solventes ecológicos sob alta pressão com ondas ultrassônicas que intensificam a extração.

Mas os cientistas foram além. Depois de extrair as isoflavonas, eles aplicaram uma enzima que quebra essas moléculas em pedaços menores, genisteína e daidzeína, que o corpo humano absorve muito mais facilmente. É como transformar um pedaço grande de pão em migalhas: fica mais fácil de digerir.

“A junção das duas etapas resultou em um extrato totalmente rico em isoflavonas já na forma ativa, em menos tempo do que os métodos tradicionais e de maneira 100% sustentável”, destaca o pesquisador. E tem mais: o farelo que sobra mantém seu alto teor de proteína, podendo virar ração animal ou suplemento proteico vegetal. Dois produtos nobres a partir de um único resíduo.

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Cascas de cacau viram ouro

Enquanto parte da equipe se dedicava à soja, outros pesquisadores do mesmo laboratório olharam pra um subproduto igualmente negligenciado: as cascas das amêndoas de cacau. “Elas lembram os nibs de cacau, com um cheiro extremamente parecido, mas são muito fibrosas, por isso normalmente são descartadas”, conta Felipe Sanchez Bragagnolo, engenheiro de processos e biotecnologia.

O material, descobriram os cientistas, esconde compostos valiosos para as indústrias de alimentos e cosméticos. Pra extrair essas substâncias, a equipe, que contou com colaboradores da Espanha e da Austrália, usou um equipamento que trabalha com pressões muito superiores às de uma panela de pressão comum.

Nesse sistema, água e etanol (solventes seguros) passam pelas cascas e retiram os compostos de interesse. Depois, a solução entra num “filtro inteligente” que separa tudo conforme afinidade química: o que “gosta” mais de água sai nas frações aquosas; o que “prefere” etanol aparece nas frações alcoólicas.

Frações puras para indústrias exigentes

O resultado impressiona. Os pesquisadores conseguiram obter uma fração rica em teobromina (principal composto das cascas), seguida por outra cheia de cafeína e uma última repleta de compostos fenólicos. Tudo separadinho, purinho.

“Os achados podem ser empregados em diferentes abordagens”, explica Bragagnolo. Uma aplicação imediata é no controle de qualidade da matéria prima.Agora é possível verificar em menos etapas o que há e quanto há no material vegetal. Outra possibilidade mais específica envolve o uso dirigido das frações.

Se uma indústria quiser usar teobromina num produto, por exemplo, basta ampliar a escala do processo pra obter uma fração enriquecida e mais pura desse composto, extraído diretamente das cascas que antes iriam pro lixo.

Economia circular na prática

Os dois estudos demonstram como resíduos agroindustriais podem se transformar em matérias-primas valiosas. Com tecnologias limpas, processos mais rápidos e produtos de alto valor agregado, a pesquisa da Unicamp mostra um caminho viável pra economia circular no Brasil.

E o melhor: tudo isso sem comprometer o meio ambiente. Nada de solventes tóxicos, nada de desperdício. Só ciência brasileira fazendo o que faz de melhor, encontrar soluções inteligentes pros nossos desafios.