As tarifas de 50% anunciadas por Donald Trump sobre produtos brasileiros podem transformar o mercado doméstico de carne. Com exportações aos EUA ameaçadas, frigoríficos avaliam redirecionar parte da produção para o Brasil. O país, com 211 milhões de habitantes e inflação de 5,35%, tem potencial para absorver o excedente. Mas o cenário ainda é complexo.
Especialistas afirmam que o aumento da oferta interna pode derrubar os preços da carne. Dados do Cepea mostram que a arroba do boi gordo já está em R$ 299,70. Se a cotação cair, o consumidor pode sentir o alívio no bolso. Mas o varejo nem sempre repassa a redução imediatamente.
“Possivelmente, a gente vai ver uma carne mais estável e baixa, mas não será imediato porque o varejo segura os preços. Saberemos mesmo entre setembro e outubro”, explica Lygia Pimentel, da AgriFatto.
Desafios logísticos
Apesar do potencial, o redirecionamento não é simples. Os EUA compravam carne brasileira a preços mais baixos que Austrália e Argentina. Com a tarifa, o produto nacional perde competitividade. O custo por tonelada pode saltar de US$ 6.143 para US$ 8.415.
Além disso, o dólar alto pode neutralizar parte do efeito. A moeda subiu 0,72% após o anúncio de Trump, pressionando a inflação. Enquanto o Brasil busca alternativas, os EUA enfrentam escassez de carne. O rebanho americano está no menor nível em 70 anos. Sem o Brasil, os consumidores lá podem pagar mais caro por hambúrgueres.
“Os americanos não são autossuficientes no abastecimento de carne bovina”, diz Carlos Cogo, da Cogo Consultoria. Isso significa que o valor para o consumidor americano também será afetado.
Números
As exportações brasileiras de carne bovina somaram US$ 1,428 bilhão em junho de 2025. Isso representa um aumento de 50% em comparação com o mesmo mês do ano anterior. O volume exportado no mês alcançou 271,2 mil toneladas, crescimento de 23,3%. Os dados são da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/MDIC), compilados pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC).
Entre os principais mercados no semestre, a China liderou com 641,1 mil toneladas e US$ 3,22 bilhões em compras, um aumento de 28,2% em valor na comparação com o mesmo período do ano anterior. Os Estados Unidos aparecem na sequência, com 181,5 mil toneladas e US$ 1,04 bilhão, alta de 102%. O Chile importou 58,9 mil toneladas, com receita de US$ 315,5 milhões (+37,4%). O México comprou 52 mil toneladas, totalizando US$ 276,3 milhões, crescimento expressivo de 235,7%.
Roberto Perosa, presidente da Abiec, explica que o Brasil exporta principalmente cortes que o consumidor nacional não consome com frequência, como partes dianteiras do boi e miúdos. Esses produtos vão para mercados como os Estados Unidos e países asiáticos, onde são usados em hambúrgueres e ensopados típicos.
Consumo interno
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) e a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o mercado interno responde por 70% do consumo de carne bovina no país. Cerca de 30% da produção é exportada, e o principal destino é a China, que absorve 44% das exportações brasileiras de carne vermelha. Os Estados Unidos compram apenas 12% desse volume.
No caso da carne suína, os EUA ocupam a 12ª posição entre os compradores estrangeiros, e o volume exportado para lá é pequeno. Por isso, uma eventual suspensão das exportações para os EUA dificilmente aumentaria a oferta no mercado interno a ponto de influenciar os preços, segundo Ricardo Santin, presidente da ABPA.
O governo brasileiro projeta queda nos preços, mas ressalta que o impacto depende de fatores como consumo interno e negociações com outros países. Porém, a China, principal compradora, pode absorver parte do excedente.
Para o consumidor brasileiro, portanto, a resposta final ainda vai demorar alguns meses. Pelo menos até quando os ajustes de mercado devem ficar claros.
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