A produção de castanha-da-amazônia — também conhecida como castanha-do-brasil ou castanha-do-pará — enfrenta uma das maiores quedas das últimas décadas na safra 2024/2025. O fenômeno está diretamente ligado aos efeitos da seca severa na região amazônica e ao aumento das temperaturas, intensificados pela atuação do El Niño. A perspectiva de recuperação para a próxima safra é considerada promissora, mas especialistas alertam: é urgente a adoção de medidas de adaptação para garantir a sustentabilidade da cadeia produtiva.
A Amazônia registrou, entre agosto de 2023 e maio de 2024, uma das secas mais intensas dos últimos 40 anos. O prolongamento do fenômeno El Niño, associado à baixa nebulosidade, alta radiação solar e queimadas recorrentes, provocou uma queda drástica na umidade do solo e impactou diretamente o ciclo reprodutivo das castanheiras.
“A floração da castanheira-da-amazônia ocorre no fim da estação seca e início da chuvosa, podendo durar até seis meses. Já a maturação dos frutos leva entre nove e treze meses. Todo esse processo é sensível às variações climáticas extremas”, explica Carolina Volkmer de Castilho, pesquisadora da Embrapa Roraima.
A situação remete à crise de 2017, quando o El Niño de 2015/2016 também comprometeu fortemente a produção. “A seca intensa reduziu a atividade de polinizadores, como as abelhas, e prejudicou a floração, resultando em forte queda na produção de castanhas”, relembra Lucieta Guerreiro Martorano, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental (PA). Raimundo Cosme de Oliveira Junior, colega de Martorano, destaca que foi a primeira vez que se registrou uma redução generalizada da produção em toda a bacia amazônica.
Expectativa de recuperação para 2025/2026, mas com riscos
Apesar do cenário adverso, técnicos da Embrapa apontam para uma possível superprodução na safra 2025/2026, impulsionada pelos efeitos do fenômeno La Niña e pela tendência natural das castanheiras de compensar ciclos de baixa produtividade. “No entanto, essa oscilação pode causar instabilidade nos preços e afetar o mercado”, afirma Patrícia da Costa, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente.

Em 2017, o preço da lata de castanha (20 litros) chegou a R$ 180,00. No ano seguinte, a superprodução associada à queda da demanda industrial, desencadeada pelos preços elevados, provocou um colapso: o valor da lata despencou para R$ 25,00. “Esse ‘efeito ressaca’ gera perdas severas e instabilidade para os extrativistas”, adverte Costa. Atualmente, em março de 2025, o produto voltou a ficar escasso, e a lata já atinge o valor de R$ 220,00.
Medidas de manejo e tecnologias de apoio são fundamentais
A adoção de práticas sustentáveis e o manejo adequado dos castanhais surgem como estratégias essenciais. Pesquisas da Embrapa indicam que o corte de cipós em árvores infestadas pode aumentar em até 30% a produção. “Estudos de mais de uma década comprovaram os benefícios da técnica, que também melhora a saúde fisiológica das castanheiras”, ressalta Lúcia Wadt, pesquisadora da Embrapa Rondônia.
A regeneração natural da espécie também pode ser favorecida por práticas agroextrativistas. Um exemplo é a técnica de produção de mudas em miniestufas, tema de cursos à distância promovidos pela Embrapa. Além disso, o modelo “Castanha na Roça”, desenvolvido na Resex Cajari (AP), tem mostrado sucesso ao integrar agricultura itinerante com o cultivo de castanheiras, aumentando a regeneração da espécie fora da floresta madura.
Segundo Marcelino Carneiro-Guedes, da Embrapa Amapá, “a estratégia permite formar novos castanhais em áreas já antropizadas, promovendo a resiliência da cadeia produtiva frente às mudanças climáticas”.
Cuidados com a qualidade e armazenamento do produto
Com a expectativa de aumento de produção na próxima safra, a garantia de qualidade da amêndoa se torna prioridade. Um dos maiores riscos está na contaminação por aflatoxinas — toxinas produzidas por fungos em condições inadequadas de armazenamento e que podem causar câncer.

Boas práticas como secagem uniforme das amêndoas, armazenamento em locais secos e arejados, e transporte adequado são fundamentais. “Esses cuidados são essenciais para preservar a qualidade do produto, garantir segurança alimentar e agregar valor à produção extrativista”, reforça Cleisa Brasil, da Embrapa Acre.
Pesquisa genética e seguro-extrativismo ganham destaque
O Programa de Melhoramento Genético da Castanheira, da Embrapa, também está selecionando matrizes mais resistentes a variações climáticas, com maior potencial produtivo. Paralelamente, avança a discussão sobre a criação de um seguro extrativista. A proposta visa proteger financeiramente os extrativistas em anos de baixa produção, reduzindo os impactos socioeconômicos causados por eventos climáticos extremos.
Napoleão Ferreira de Oliveira, da Associação Apavio (Resex Médio Purus, AM), defende a iniciativa: “Nossa economia depende do extrativismo. Sem chuva, a produção de castanha e açaí despenca. É preciso criar mecanismos de proteção social, como um abono semelhante ao concedido a outras atividades do setor primário”.
Rede Kamukaia e o fortalecimento da cadeia produtiva
Há quase duas décadas, a Rede Kamukaia, coordenada pela Embrapa, reúne pesquisadores, ONGs e comunidades amazônicas para estudar e desenvolver tecnologias voltadas à sustentabilidade do extrativismo. Um de seus projetos mais recentes é o NewCast, lançado em 2024, com duração de três anos.
“O objetivo do NewCast é ampliar a base produtiva da castanha, melhorar sua qualidade e fortalecer as comunidades extrativistas”, afirma Patrícia da Costa, que coordena a iniciativa. O projeto conta com financiamento da Finep, órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e envolve unidades da Embrapa nos estados amazônicos e no Sudeste.
Impacto na renda e risco de abandono da atividade extrativista
A crise já afeta diretamente a renda de extrativistas em regiões como o Amapá e Rondônia. Elziane Ribeiro, da Resex Cajari (AP), relata que a produção caiu drasticamente. “Um castanhal que rendia 180 barricas não chegou a 10 este ano”, lamenta. Em Rondolândia (MT), Paulo César Nunes, da Cooperativa do Povo Indígena Zoro, alerta que a quebra de safra comprometeu contratos e empregos.
“A indústria de base comunitária precisa ser fortalecida. Sem ela, o extrativismo pode entrar em colapso”, afirma Nunes. Ítalo Tonetto, diretor da Castanhas Ouro Verde (RO), reforça a necessidade de comunicação transparente com os clientes: “Mesmo com os avisos sobre a quebra de safra, muitos não acreditaram. A próxima safra pode melhorar, mas o impacto já está dado”.
Sustentabilidade e conservação em risco
A castanha-da-amazônia é o produto florestal não-madeireiro mais importante da região em termos de geração de renda. A adoção de políticas públicas, como o seguro extrativista, é vista por especialistas como essencial para evitar a migração das comunidades para atividades que contribuem para o desmatamento.
A crise atual evidencia que investir em adaptação climática, fortalecimento comunitário e conservação ambiental é urgente para garantir o futuro da castanheira-da-amazônia — espécie-chave para a biodiversidade, a segurança alimentar e a cultura dos povos da floresta.
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