A Embrapa lançou um novo protocolo de produção de mudas que promete transformar o cultivo do açaí-solteiro (Euterpe precatoria Mart.) em uma atividade agrícola planejada, sustentável e economicamente viável na Amazônia. A tecnologia, fruto de sete anos de pesquisas conduzidas pela Embrapa Acre, atende à crescente demanda por frutos dessa espécie nativa, com foco em produtores, viveiristas e técnicos da região que enfrentam desafios na implantação de pomares comerciais.
Ao viabilizar a produção de mudas com alto padrão sanitário e vigor, adaptadas às condições amazônicas e mais resistentes a doenças como a antracnose — principal patógeno da cultura —, o protocolo oferece uma alternativa concreta ao extrativismo, ainda predominante em estados como Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima. A iniciativa favorece o uso de áreas já alteradas e contribui para a conservação da biodiversidade, fortalecendo a bioeconomia regional.
Solução para um gargalo produtivo
Segundo a pesquisadora Aureny Lunz, da Embrapa Acre, o cultivo do açaí-solteiro ainda se baseia em técnicas desenvolvidas para o açaí-de-touceira (Euterpe oleracea), espécie de comportamento distinto quanto ao crescimento, exigências climáticas e tipo de solo. Isso compromete o desempenho das plantas e torna os cultivos mais vulneráveis a doenças.
“Ao reunir informações técnicas específicas para o açaí-solteiro, o protocolo permite a produção de mudas mais vigorosas e resistentes, garantindo maior produtividade e sustentabilidade dos pomares”, afirma a pesquisadora.
Pesquisa detalhada e orientada para o produtor
O estudo integrou o projeto “Tecnologias para cultivo racional de açaizeiro”, iniciado em 2016. E avaliou diferentes tipos de recipientes, substratos, níveis de sombreamento, estratégias de adubação e controle fitossanitário, tanto em viveiro quanto em campo. A análise resultou em recomendações que otimizam o desempenho das mudas e reduzem perdas.

O pesquisador Romeu Andrade Neto, da Embrapa Tabuleiros Costeiros (SE), destaca que a espécie apresenta crescimento lento e exige até 14 meses para formar mudas aptas ao plantio. “Identificamos que substratos mais leves, sombreamento de 65% a 75% e fertilizantes de liberação controlada promovem maior sobrevivência e encurtam o ciclo de produção”, explica.
As recomendações técnicas estão detalhadas na publicação “Recomendações para a Produção de Mudas de Açaizeiro-Solteiro”, que aborda desde o planejamento do viveiro até o manejo de sementes, pragas e doenças.
Experiências de sucesso no campo
Produtores já começam a colher resultados positivos com a adoção do protocolo. Em Vila Extrema, na divisa entre Acre e Rondônia, o agricultor Loy Maleski cultiva o açaí-solteiro em dez hectares. A produção atinge duas mil latas de frutos por safra, equivalentes a 30 toneladas de polpa comercializadas com agroindústrias da região.
“Ao buscar informações adequadas para o cultivo, consegui dobrar o rendimento de polpa por lata em relação ao açaí-de-touceira”, relata Maleski. Para ele, o uso de mudas de qualidade, combinado a práticas de irrigação e adubação, é essencial para o sucesso da atividade.
Vantagens da tecnologia
Entre os principais benefícios da nova metodologia estão:
- Uniformidade e produtividade: Mudas vigorosas promovem cultivos mais homogêneos e produtivos;
- Sustentabilidade: Reduz a pressão sobre as florestas nativas e favorece o uso de áreas degradadas;
- Controle fitossanitário: Técnicas adequadas diminuem a incidência de doenças;
- Expansão da cultura: Permite maior escala de produção e planejamento da colheita.
Como o açaí-solteiro não se multiplica por perfilhamento, a propagação depende exclusivamente de sementes. Aureny Lunz reforça que a escolha correta do material genético é determinante para garantir mudas de alta qualidade e produtividade.
Perspectivas para a bioeconomia amazônica
O açaí-solteiro já representa 93% da polpa processada por agroindústrias no Acre e Amazonas, mas o plantio comercial ainda é incipiente. Para o engenheiro florestal Vicente de Paula Simões, da Secretaria de Agricultura do Acre (Seagri), a ampliação da produção de mudas com base científica pode alavancar o setor e consolidar a cultura como fonte de renda e conservação ambiental.
“O fortalecimento dessa cadeia produtiva depende da adoção de práticas tecnológicas que garantam qualidade e produtividade. Além da inserção do produto no mercado nacional e internacional”, observa Simões.
Novos desafios para a pesquisa
No município de Anori (AM), onde mais de 90% das plantações são de açaí-solteiro, os resultados já demonstram o potencial da cultura. A Embrapa trabalha agora na criação de um programa de melhoramento genético da espécie, com foco em produtividade, qualidade da polpa, menor altura das plantas e precocidade.
A pesquisadora Maria do Rosário Lobato Rodrigues, da Embrapa Amazônia Ocidental, destaca que a produção de mudas com alto padrão pode beneficiar tanto áreas de cultivo quanto populações nativas em regime extrativista. “Reduzir a taxa de replantio, garantir precocidade e minimizar perdas são estratégias-chave para ampliar a rentabilidade e consolidar a cadeia do açaí-solteiro na Amazônia”, conclui.
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