José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai e referência mundial por sua vida austera, faleceu hoje, deixando como parte de seu legado a relação única com seu sítio em Rincón del Cerro, que se tornou símbolo de seu governo e de sua filosofia de vida. Localizada a cerca de 20 minutos do centro de Montevidéu, em um bairro operário, a propriedade de 20 hectares foi não apenas sua morada, mas também a residência oficial do governo uruguaio durante seu mandato.
Ao assumir a presidência em 2010, Mujica recusou-se a viver no tradicional palácio presidencial Suárez y Reyes, situado em um bairro aristocrático da capital. Preferiu permanecer em sua chácara de paredes descascadas, tetos de zinco verde e quintal povoado por galinhas, flores e hortaliças. A única adaptação feita no local foi a construção de uma pequena casa para os seguranças, contrastando com a estrutura luxuosa da residência oficial, que ele usava apenas para reuniões de trabalho.
Mujica justificava sua escolha como uma defesa da sobriedade: “Minha maneira de viver é consequência da evolução da minha vida. Lutei até onde é possível pela igualdade e equidade dos homens”, afirmou em entrevista. Ele rejeitava a ideia de que sua vida simples fosse uma valorização da pobreza, preferindo defini-la como “valorização da sobriedade no viver”.
O cotidiano no sítio presidencial
A rotina de Mujica na chácara era marcada por hábitos simples. Dirigia seu próprio Fusca azul, lia jornais em um iPad por falta de distribuição na região, cozinhava seu prato favorito – carne com cebola – e fazia compras no mercadinho do bairro ao lado da esposa, Lucía Topolansky. A segurança era discreta, limitada a uma pequena guarita e poucos policiais. E a convivência com vizinhos e animais, como a cadela Manuela, reforçava o clima de normalidade.

Mesmo presidente, José Mujica mantinha o cultivo de flores e hortaliças, tradição herdada da infância, quando ajudava a mãe na lavoura após a morte do pai. O ex-guerrilheiro tupamaro também destinou parte da propriedade para projetos sociais. Como a doação de cinco hectares e meio à Direção Nacional de Apoio aos Libertos, para construção de moradias para ex-presidiários.
O sítio como mensagem política
A decisão de transformar o sítio em residência oficial foi vista como uma mensagem política poderosa. Mujica defendia que “o mundo está prisioneiro da cultura da sociedade de consumo”. E que “as pessoas não compram com dinheiro, compram com o tempo que tiveram que gastar para ter esse dinheiro”. Seu modo de vida reforçava a crítica ao consumismo e à desigualdade, tornando-se referência internacional como “o presidente mais pobre do mundo”.

Durante seu governo, Mujica também vendeu a residência presidencial de verão em Punta del Este, destinando o valor arrecadado a programas de moradia popular.
Após deixar o poder, Mujica continuou vivendo no sítio, planejando criar uma escola de ofícios rurais para jovens da região. Agora, com sua morte, o local se consolida como símbolo de um estilo de liderança raro: próximo do povo, avesso a privilégios e fiel aos próprios valores até o fim.
A chácara de José Mujica não foi apenas cenário de sua vida. Mas expressão concreta de seu pensamento político e de sua visão de mundo – um legado que ultrapassa fronteiras e inspira gerações.
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