Projeto internacional liderado pela Embrapa desenvolve "atum vegetal" feito de algas para substituir pescado tradicional. Mercado deve movimentar US$ 2,5 bilhões em oito anos
Foto: Fabíola Fogaça/Embrapa

Uma rede internacional de pesquisa que reúne sete países está desenvolvendo produtos inovadores à base de algas marinhas para substituir o pescado tradicional. No Brasil, o projeto é coordenado pela Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) e tem duração prevista de três anos, combinando pesquisa científica, inovação tecnológica e transferência de conhecimento.

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A iniciativa responde a um cenário crítico: os estoques pesqueiros globais enfrentam pressão crescente, enquanto a demanda por proteínas saudáveis aumenta exponencialmente. Nesse contexto, as algas surgem como solução sustentável com múltiplos benefícios ambientais e nutricionais.

Por que algas são o alimento do futuro?

Segundo a pesquisadora Fabíola Fogaça, coordenadora do projeto no Brasil, as algas marinhas apresentam vantagens significativas sobre fontes proteicas tradicionais. “Elas crescem rapidamente, não necessitam de água doce nem fertilizantes e ainda capturam carbono, contribuindo para mitigar as mudanças climáticas”, explica.

Do ponto de vista nutricional, esses organismos aquáticos são ricos em fibras, minerais, vitaminas e ômega-3,  compostos essenciais para a saúde humana. Além disso, sua produção gera impacto ambiental mínimo comparado à pecuária e à pesca convencional.

O desafio: do mar ao prato brasileiro

Apesar do potencial, as algas ainda enfrentam resistência dos consumidores, especialmente no mercado brasileiro. Características como sabor marcante, coloração verde intensa e textura específica podem dificultar a aceitação em produtos que buscam imitar alimentos de origem animal.

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“Nosso principal desafio é aprimorar essas características sensoriais, desenvolvendo processos de cultivo e transformação que resultem em ingredientes agradáveis ao paladar do consumidor”, destaca Fogaça.

“Atum vegetal”: protótipo promete revolucionar conservas

Entre os produtos em desenvolvimento está um “atum vegetal” em conserva, elaborado com algas marinhas combinadas a outros ingredientes vegetais proteicos e flavorizantes naturais. O objetivo é reproduzir fielmente o sabor, aroma e textura do atum enlatado tradicional.

Para conquistar o paladar do consumidor brasileiro, um dos objetivos dos cientistas é desenvolver um “atum vegetal” em conserva, combinando algas marinhas com outros ingredientes vegetais. Foto: Fabíola Fogaça/Embrapa

“Estamos criando um alimento inovador, potencialmente mais saudável, sem colesterol, rico em nutrientes e totalmente sustentável”, afirma a pesquisadora.

Cooperação internacional impulsiona pesquisa

O projeto “Avanços na produção de algas como alternativa sustentável ao pescado algae-based na Europa e no Brasil” conta com parceiros de peso. Do lado europeu, participam instituições renomadas da Holanda (NIOZ), Portugal (S²AQUA), Bélgica (ILVO), Noruega (NOFIMA), Suécia (Chalmers), Chipre (Stratagem) e Dinamarca (DTU).

No Brasil, além da Embrapa Agroindústria de Alimentos, integram a equipe pesquisadores da Embrapa Agroindústria Tropical (CE) e Embrapa Instrumentação (SP), juntamente com produtores locais de algas da Costa Verde fluminense.

Metas e entregas do projeto

Ao longo dos 36 meses de execução, a pesquisa prevê resultados concretos:

  • Sistema fechado (indoor) otimizado para produção de algas
  • Protocolos validados para processamento e conservação com foco em atributos sensoriais
  • Desenvolvimento de protótipos de pescado vegetal
  • Capacitação técnica de produtores
  • Publicações científicas e possíveis registros de patentes

A iniciativa integra o Sustainable Blue Economy Partnership (SBEP), programa do Horizonte Europa que reúne 74 instituições de 30 países. No Brasil, o financiamento é gerido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Bioeconomia azul: benefícios além da alimentação

Os impactos da produção de algas vão além da segurança alimentar. Esses organismos promovem a purificação da água, sequestram carbono e contribuem para a recuperação de ecossistemas costeiros. Além disso, podem gerar novas oportunidades econômicas para comunidades pesqueiras tradicionais.

Além de nutritivas, as algas são ricas em fibras, minerais, vitaminas e ômega-3, compostos de reconhecida relevância para a saúde humana. Foto: Fabíola Fogaça/Embrapa

“Com mais de 8 mil quilômetros de litoral, o Brasil possui potencial extraordinário para estruturar uma cadeia produtiva de algas, gerando emprego, renda e inovação para agricultores familiares e comunidades costeiras”, ressalta Fogaça.

Mercado global aquecido

O mercado de pescados vegetais está em expansão acelerada. Estimativas apontam que o setor deve movimentar US$ 2,5 bilhões até 2032, refletindo a mudança nos hábitos de consumo globais.

“Estamos diante de uma tendência mundial. O consumidor busca cada vez mais proteínas sustentáveis e inovadoras. O Brasil não pode ficar de fora dessa oportunidade”, conclui a pesquisadora.

A economia oceânica global movimenta cerca de US$ 1,5 trilhão anualmente, com projeção de duplicar até 2030. Em 2022, a produção mundial de algas marinhas alcançou 36 milhões de toneladas, gerando um mercado estimado em US$ 2,1 bilhões em 2024.

Além da alimentação, as algas fornecem insumos para indústrias farmacêutica, cosmética e agrícola, graças a compostos como fibras, substâncias bioativas e hidrocolóides (ágar e carragenanas), amplamente utilizados como espessantes e estabilizantes.

No Brasil, o cultivo comercial de algas ainda é limitado, concentrando-se principalmente na espécie exótica Kappaphycus alvarezii, matéria-prima para a indústria de carragenana. Espécies nativas do gênero Gracilaria também são cultivadas em menor escala no Nordeste.

O projeto da Embrapa representa um avanço estratégico para superar desafios técnicos e agregar valor à produção nacional, posicionando o país como protagonista na bioeconomia azul e na alimentação sustentável do futuro.