Pesquisadores da Unesp classificam envenenamento por picadas como problema de saúde pública negligenciado; mortes mais que dobraram no período
Foto: Jonathan Wilkins/Jornal da Unesp

O Brasil enfrenta uma crise silenciosa que vem ganhando proporções alarmantes: os ataques de abelhas africanizadas aumentaram 83% entre 2021 e 2024, saltando de 18.668 para 34.252 ocorrências registradas. Mais grave ainda é o número de mortes, que mais que dobrou no período, atingindo 125 óbitos tanto em 2023 quanto em 2024.

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Os dados, que colocam os ataques de abelhas acima dos registros de ataques de serpentes desde 2023, motivaram pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) a publicar um estudo na revista científica Frontiers in Immunology, classificando o envenenamento por picadas de Apis mellifera como um problema de saúde pública negligenciado.

Problema cresce sem tratamento específico

“Ainda hoje não existe um antídoto contra o veneno de abelhas, como os que temos para as picadas de serpentes, aranhas e escorpiões”. É o que explica Rui Seabra Ferreira Júnior, médico-veterinário e diretor do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap) da Unesp. Ele coordenou a pesquisa.

Apenas nos primeiros sete meses de 2024, o país já registrou mais de 18 mil acidentes com abelhas, evidenciando a gravidade crescente do problema. A ausência de um tratamento específico para essas vítimas é um dos principais argumentos dos pesquisadores para classificar a situação como questão negligenciada de saúde pública.

Causas do crescimento ainda são investigadas

Osmar Malaspina, biólogo do Instituto de Biociências da Unesp em Rio Claro e uma das maiores autoridades no estudo de abelhas no Brasil, aponta possíveis fatores para o aumento dos casos. “Especulamos sobre uma combinação entre o desmatamento, com perdas de habitat nas matas, e a procura por novos locais para ninhos próximos a áreas urbanas”, afirma o especialista.

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O pesquisador também destaca a busca das abelhas por alimentos gerados pelas atividades humanas em determinadas épocas do ano como outro fator que intensifica o contato entre humanos e insetos.

Efeitos variam conforme o sistema imunológico

Benedito Barraviera, docente da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) e cofundador do Cevap, esclarece que os efeitos das picadas dependem fundamentalmente do sistema imunológico de cada pessoa. “Não é possível determinar quantas ferroadas irão colocar a pessoa em situação de risco”, alerta o médico.

O especialista identifica dois tipos principais de acidentes:

  • Reações alérgicas: pessoas alérgicas podem desenvolver choque anafilático com apenas uma picada, situação que exige injeção imediata de adrenalina e atendimento médico de emergência.
  • Intoxicação por múltiplas picadas: quando uma pessoa não alérgica recebe muitas picadas simultaneamente, o excesso de veneno pode causar complicações neurológicas e renais. Isso além de torpor neurológico com risco de parada cardiorrespiratória.

Tratamento atual é limitado e custoso

A falta de um soro específico contra ferroadas de abelhas africanizadas torna o tratamento mais caro e imprevisível. “O protocolo atual é aplicar apenas o tratamento para os sintomas”, explica Barraviera. “Se o soro antiapílico desenvolvido pelo Cevap já estivesse disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), seria possível lidar com todas essas complicações de uma só vez e com mais segurança.”

Na ausência de tratamentos específicos, os especialistas recomendam medidas preventivas rigorosas:

  • Nunca manusear colmeias sem equipamento adequado
  • Evitar uso de inseticidas e venenos próximos aos ninhos
  • Não fazer movimentos bruscos ou ruidosos near dos enxames
  • Isolar o local quando identificar ninhos
  • Contactar imediatamente a Defesa Civil, Bombeiros ou empresas especializadas em remoção

As abelhas Apis mellifera, conhecidas como africanizadas, são essenciais para a polinização e produção de mel. Mas seu comportamento defensivo intenso quando sentem ameaça ao enxame torna os encontros com humanos potencialmente fatais. A conscientização sobre os riscos e a implementação de medidas preventivas são fundamentais para reduzir o número crescente de vítimas dessa crise silenciosa da saúde pública brasileira.

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