Resumo da notícia
- Mapas de risco climático da Embrapa indicam que entre 2071 e 2100 grande parte do Brasil terá temperaturas elevadas que comprometem a produção de alface, com até 87,7% do território em risco muito alto no pior cenário.
- A alface é sensível ao calor, pois suas sementes germinam melhor abaixo de 22°C, e temperaturas acima de 25°C causam queima das bordas das folhas e florescimento precoce, reduzindo a qualidade e produtividade da cultura.
- No cenário pessimista, as temperaturas podem alcançar até 45°C no verão, muito acima do ideal para o cultivo, ameaçando a sustentabilidade da produção tradicional em campo aberto em grande parte do país.
- A Embrapa desenvolve cultivares resistentes ao calor, como a BRS Mediterrânea, e busca estratégias adaptativas para mitigar os impactos das mudanças climáticas na produção de alface, com resultados iniciais promissores para os produtores.
A agricultura brasileira enfrenta uma nova ameaça. Mapas de risco climático desenvolvidos por pesquisadores da Embrapa Hortaliças, baseados em projeções do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e modelos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), revelam um futuro preocupante para a produção de alface no país.
O estudo analisou dois cenários distintos: um otimista, com controle parcial das emissões de gases de efeito estufa, e outro pessimista, onde as emissões continuam crescendo até 2100. Em ambas as projeções, o cultivo tradicional da hortaliça enfrenta sérios riscos.
“Compreender como as mudanças climáticas podem afetar a produção de alface, em um país tropical como o Brasil, é essencial para desenhar estratégias de adaptação”, explica Carlos Eduardo Pacheco, engenheiro-ambiental e pesquisador em Mudanças Climáticas Globais da Embrapa.
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Verão brasileiro pode chegar a 45°C em algumas regiões
As projeções mais alarmantes concentram-se no período de 2071 a 2100, especialmente durante o verão. No cenário otimista (RCP 4.5), cerca de 79,6% do território nacional apresentará risco climático alto para a alface em campo aberto, enquanto 17,4% enfrentará risco muito alto.
No cenário pessimista (RCP 8.5), os números são ainda mais dramáticos: 87,7% do território brasileiro entrará na categoria de risco muito alto, com apenas 11,8% mantendo risco alto. As temperaturas projetadas variam de 25,4°C a 45°C, bem acima do limite ideal para o desenvolvimento da alface.
Por que a alface é tão sensível ao calor?
A sensibilidade da alface às altas temperaturas está diretamente relacionada à sua evolução. “Do ponto de vista evolutivo, a alface depende de temperatura amena e boa umidade para se desenvolver plenamente”, explica Fábio Suinaga, engenheiro-agrônomo e pesquisador em Melhoramento Genético da Embrapa Hortaliças.
O problema se agrava porque as sementes de alface exigem temperaturas inferiores a 22°C para germinar adequadamente. Além disso, o calor excessivo causa dois problemas principais:
- Queima de borda (tipburn): deficiência de cálcio nas folhas causada pelo crescimento acelerado em altas temperaturas, resultando em manchas escuras nas bordas.
- Florescimento precoce: temperaturas acima de 25°C fazem a planta emitir o pendão antecipadamente, comprometendo a qualidade comercial devido ao alongamento do caule e sabor amargo.
Soluções em desenvolvimento: cultivares resistentes e sistemas adaptativos
Diante do cenário desafiador, a Embrapa trabalha em duas frentes principais de adaptação. A primeira foca no desenvolvimento de cultivares com maior tolerância ao calor, como a alface BRS Mediterrânea, que já demonstra resultados promissores.
O produtor rural Rodrigo Baldassim, de São José do Rio Pardo (SP), comprova a eficácia da nova cultivar: “atualmente essa cultivar representa 80% do material de alface crespa que eu planto. Ela é meu carro-chefe por conta de aguentar melhor as altas temperaturas quando se compara com outros materiais comerciais”.
A segunda frente concentra-se em sistemas de produção sustentáveis, incluindo:
- Sistemas regenerativos: como o sistema de plantio direto de hortaliças (SPDH) e cultivo orgânico com compostagem
- Sistemas adaptados ao clima: cultivo em ambientes protegidos ou controlados e zoneamento agroclimático
Metodologia científica garante precisão das projeções
Os mapas de risco foram construídos com rigor científico, utilizando a base de dados ‘Projeções Climáticas’ do Inpe, com resolução espacial de 20 km². O modelo dinâmico ETA, já validado para Brasil e América Latina, analisou temperaturas mínimas, médias e máximas em quatro intervalos temporais: até 2040, 2041-2070, 2071-2100, comparados ao período histórico de 1961-1990.
A pesquisa está em constante evolução. Os próximos passos incluem o uso da base WorldClim, com resolução 20 vezes mais precisa, e modelos do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC. Os novos mapas considerarão também índices de precipitação e necessidade hídrica da cultura.
“A expectativa é expandir o mapeamento para outras espécies de hortaliças, como tomate, batata e cenoura, em função da importância socioeconômica e da sensibilidade desses cultivos ao clima”, adianta Pacheco, que também utiliza inteligência artificial para automatizar a geração dos mapas.
Urgência na adaptação: segurança alimentar em risco
A pesquisa evidencia uma lacuna importante nos estudos climáticos brasileiros. “Geralmente esse tipo de levantamento considera somente grandes culturas como milho e soja. Contudo, as hortaliças são espécies mais vulneráveis às altas temperaturas que os grãos”, destaca Pacheco.
O impacto vai além da economia agrícola, tocando questões fundamentais de segurança e soberania alimentar, alinhadas ao conceito de Saúde Única, Essa abordagem reconhece a interdependência entre saúde humana, animal e dos ecossistemas.
Os mapas de risco climático estão disponíveis na plataforma Geoinfo da Embrapa. E servem como ferramenta estratégica para orientar futuras pesquisas e políticas de adaptação às mudanças climáticas no setor agrícola brasileiro.