Tem dias que a gente tropeça no futuro sem querer. Foi mais ou menos assim que aconteceu com Marilza Eleotério de Barcelos Silva em 2018. Cabeleireira há mais de 20 anos, ela cortava um pé de banana no quintal com uma faca que já tinha visto dias melhores. A lâmina sem ponta fez um estrago “feio” na planta, mas aquele corte irregular revelou algo que mudaria completamente sua vida: fios resistentes, maleáveis, que pareciam cabelo.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

Na época, Marilza procurava uma solução para uma amiga que enfrentava câncer e precisava de uma alternativa de cabelo que não pesasse no bolso nem na consciência. Mas se ela for honesta, a motivação também era pessoal. “Eu queria algo melhor pro meu próprio cabelo”, conta. O que começou como uma necessidade individual logo se transformou em algo muito maior.

A saga da colher de cozinha

Quem acha que inovação precisa de laboratório nunca viu Marilza trabalhando. No início, o processo todo era manual e exaustivo. Pra extrair míseros 100g de fibra, ela passava o dia inteiro raspando a casca do tronco da bananeira com uma colher de cozinha comum. Os calos nos dedos doíam, mas ela insistia.

Morando numa casa de madeira e lona no bairro Lagoa Park, em Campo Grande, Marilza não tinha recursos pra comprar equipamentos sofisticados. Então ela inventou. Primeiro montou uma máquina de madeira, depois outra de ferro. A versão atual? Uma “gambiarra” que ela mesma criou: um facão acoplado, um tijolo e uma peça de carro pra dar peso. Funciona. E como funciona – hoje ela consegue produzir cerca de 2 kg de fibra por dia.

Depois da extração, passa um escovão pra tirar o excesso. Aí vem a hidratação. O material vira três tipos diferentes de fio – o 1, o 2 e o 3. As mechas de aplique e perucas ela tece num tear improvisado, porque máquina de costura ainda não cabe no orçamento.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

O produto que virou tendência

O que Marilza criou não é só mais um aplique qualquer. A fibra de bananeira dura até 3 anos – enquanto os sintéticos convencionais aguentam apenas 3 meses. Dá pra tirar, reutilizar, colorir, descolorir. É natural, saudável, e tem uma vantagem ambiental que impressiona: se decompõe em apenas 8 dias na natureza.

A textura é maleável, a resistência surpreende, e a aparência? Muito semelhante ao cabelo natural. Não por acaso, as mulheres negras abraçaram o produto. Quem lida com os desafios de tempo e custo na manutenção do cabelo afro encontrou nos fios de bananeira uma alternativa real.

O preço é R$ 150 a cada 100g, vendido natural ou colorido. Uma cabeça gasta em média 150g – ou 200g se você quiser volume de diva. Pode parecer caro numa primeira olhada, mas quando você coloca na ponta do lápis a durabilidade, a conta fecha diferente.

A virada de jogo

Marilza quase desistiu. Várias vezes, na verdade. Trabalhar sozinha, com recursos limitados, tentando convencer as pessoas de que aquilo ali não era loucura… pesava. Mas aí entrou o programa Inova Cerrado na história dela.

Desde 2022, essa iniciativa do Sebrae/MS em parceria com o Governo do Estado acompanha o projeto “Meus Cabelos, Meus Fios”. E não foi só acompanhar de longe não. As mentoras do programa literalmente não deixaram ela desistir. Deram suporte técnico, emocional, estratégico.

O reconhecimento veio: segundo lugar na categoria do programa, com uma premiação de R$ 10 mil pra investir no negócio. Mas mais importante que o dinheiro foi o que veio junto – conhecimento, direcionamento, rede de contatos.

Foi durante o programa que Marilza desenvolveu uma linha completa de produtos. Ela criou 17 itens inovadores baseados numa fruta do Cerrado que ela não revela qual é (segredo comercial, né?). Tem manteiga pra hidratação dos fios, shampoo pra limpar quando fica oleoso, condicionador, até repelente.

O marido que comprou o sonho

Tem um detalhe bonito nessa história que não dá pra deixar de fora. O marido de Marilza acreditou nela desde o começo. Quando ela ainda estava lá, esfregando colher no tronco de bananeira até os dedos calejarem, ele tava do lado ajudando. Continua até hoje. Esse tipo de parceria faz diferença quando o caminho é difícil.

A empresa “Meus Cabelos, Meus Fios” existe oficialmente desde maio de 2019, com CNPJ e endereço na Rua Barão do Rio Branco, 465, no bairro Amambai. Mas o alcance já ultrapassou muito as fronteiras de Mato Grosso do Sul.

Marilza recebeu demonstrações de interesse de empresários de sete países diferentes. Sete. Ela trabalha agora pra aprimorar a produção e estruturar o negócio pensando no mercado internacional. Participa do Módulo Tração, segunda etapa do Inova Cerrado, focado em acelerar o crescimento através de ações estratégicas.

Quando perguntam se ela imaginava chegar até aqui, Marilza é direta: “O programa mudou minha vida completamente”. E mudou mesmo. Do quintal de casa pro mundo, de uma colher de cozinha pro interesse internacional, de quase desistir pra virar referência em inovação sustentável.

Por que essa história importa

Num país onde tantas pessoas empreendem por necessidade e não por oportunidade, onde a falta de recursos mata ideias antes delas virarem negócio, a trajetória de Marilza mostra que inovação não precisa de laboratório high-tech. Precisa de olhar atento, persistência e, claro, uma rede de apoio que acredite junto.

Ela pegou um resíduo que ia pro lixo – o tronco da bananeira depois da colheita – e transformou num produto que resolve problemas reais de pessoas reais. Criou uma alternativa sustentável, biodegradável, durável e acessível num mercado dominado por produtos sintéticos importados.

E fez isso morando numa casa de madeira e lona, com gambiarras criativas e a ajuda do marido. Se isso não é empreendedorismo brasileiro na veia, eu não sei o que é.

A cabeleireira da comunidade Lagoa Park que inventou cabelo de bananeira tá provando que às vezes as melhores soluções crescem literalmente no nosso quintal. Só precisamos ter coragem de olhar diferente pro que todo mundo acha que é resto.