O sol mal desponta em Corumbá, no interior do Pantanal sul-mato-grossense, e o espelho d’água brilha como se o tempo tivesse parado. Ali, na Fazenda Caimasul, a natureza e a indústria parecem conversar na mesma língua. A fazenda, reconhecida como maior produtora de carne e couro de jacaré do Brasil, reúne cerca de 80 mil animais em instalações climatizadas, com capacidade para triplicar esse número.
Sob o canto das araras e o ronco distante dos motores, há um outro som que domina a paisagem: o respingar compassado da água nas baias de jacarés-do-Pantanal. Tudo é controlado, medido, monitorado. Nada escapa à precisão dos sensores, nem ao olhar atento dos técnicos que acompanham cada etapa, da coleta dos ovos à embalagem final do filé exportado.
Do ovo ao luxo: o ciclo completo
A Caimasul conduz todo o processo produtivo, e é justamente isso que a diferencia das demais. Tudo começa às margens do rio Paraguai, onde ribeirinhos coletam cuidadosamente os ovos de jacaré em áreas autorizadas pelo órgão ambiental. Cada unidade pode valer até R$ 5, o que garante uma renda extra para famílias que antes dependiam apenas da pesca e, assim, ajuda a fortalecer a economia local.
Depois dessa etapa inicial, os ovos seguem viagem até incubadoras modernas, onde a vida se repete dia após dia, sob o zumbido constante dos termostatos e o olhar atento dos técnicos. A partir daí, cada movimento é controlado com precisão: a temperatura, a umidade, o tempo de eclosão. Tudo é calculado para que o processo siga com segurança e eficiência.

Ao nascerem, os filhotes são transferidos para baias de água morna (que permanecem entre 27 °C e 30 °C) e recebem uma dieta balanceada, formulada especialmente para o desenvolvimento saudável. Durante cerca de 18 meses, os jacarés crescem em um ambiente controlado, até o momento do abate, quando nada se perde. A carne, o couro, as vísceras e até os ossos são transformados em produtos de alto valor agregado, aproveitando o máximo do potencial de cada animal.
Depois disso, a carne segue para restaurantes, empórios e mercados internacionais, conquistando espaço no cardápio de chefs e consumidores exigentes. O couro, por sua vez, cruza oceanos e desembarca em ateliês de luxo da Itália, da França e dos Estados Unidos, onde vira bolsas, carteiras e sapatos de grife exibidos em vitrines de Milão, Paris e Nova York.
É, portanto, o luxo nascido da lama, o ouro verde-oliva do Pantanal, que brilha mundo afora como símbolo de um Brasil capaz de unir natureza, tecnologia e elegância.
Carne leve, proteína forte
A carne de jacaré vem ganhando fama de alimento do futuro. É clara, firme e quase sem gordura. Tem sabor suave, lembrando frango ou peixe, e um valor nutricional que impressiona. Estudos do Instituto Federal de Mato Grosso apontam que o teor de colesterol varia entre 42 e 47 mg por 100 g. Ou seja, menos da metade do encontrado na carne bovina.

Além disso, é rica em ferro e cálcio, o que a torna aliada de dietas equilibradas. O consumo cresceu 15% em um ano, impulsionado por chefs e influenciadores que descobriram no exótico um novo filão gastronômico.
No mercado interno, o quilo congelado custa em média R$ 90, enquanto cortes nobres, como o lombo e a cauda, podem chegar a R$ 180. No exterior, a procura cresce nos Estados Unidos e na Europa, onde restaurantes de luxo servem o produto como símbolo de exclusividade tropical.
Couro que vale ouro
Se a carne é o corpo, o couro é a alma do negócio. E, no mercado internacional, essa alma brilha. Entre janeiro e agosto de 2025, o preço médio do couro brasileiro valorizou 83% em dólar, alcançando US$ 52 o quilo.
Apesar da alta nos preços, o volume exportado caiu, reflexo de um mercado mais seletivo. Mesmo assim, França, Itália, Estados Unidos e México seguem entre os principais compradores. As grandes grifes internacionais disputam o couro brasileiro, atraídas pela textura única, pela alta durabilidade e pela origem sustentável do material.

O Ministério da Agricultura e os órgãos ambientais estaduais fiscalizam de perto o manejo, garantindo que cada etapa da produção siga as normas de bem-estar animal, rastreabilidade e sustentabilidade ambiental. Aplicativos rastreiam cada ovo, cada lote, cada centímetro de pele curtida. Afinal, a legalidade é uma condição inegociável.
Pantanal que gera renda e preserva vida
O sistema criado no Mato Grosso do Sul une o que parecia incompatível: produção em escala e conservação ambiental. A coleta controlada de ovos garante a reposição natural da espécie, enquanto as fazendas de criação reduzem a caça ilegal.
Além disso, o modelo gera empregos diretos e indiretos, movimenta o comércio regional e inclui populações ribeirinhas no ciclo produtivo. Cada ovo recolhido com cuidado é também um pequeno ato de preservação.
Por fim, o que se vê é um retrato do Pantanal que aprende a se reinventar sem trair suas raízes. A água que alimenta o rio é a mesma que sustenta a economia local. A lama que molda os ninhos também molda oportunidades.
O Brasil que deu certo
A carne e o couro de jacaré saem do Pantanal com certificados de qualidade e sustentabilidade que abrem portas no mercado global. Entre eles estão o selo do Ministério da Agricultura e o certificado USDA, exigido para entrar nos Estados Unidos.
Esse modelo de produção, que alia ciência, tradição e cuidado ambiental, colocou o Brasil entre os líderes mundiais do setor. A fazenda Caimasul virou símbolo de um país que produz riqueza sem destruir o que o torna único.
Enquanto o sol se despede atrás dos buritis, o Pantanal reflete luz dourada sobre as águas paradas. E, no meio desse espelho líquido, o Brasil se olha e se reconhece como potência verde, moderna e viva.