Resumo da notícia
- A cervejaria Hofbauer, fundada em 1894 no subsolo da Igreja Nossa Senhora da Glória em Juiz de Fora, é a única cervejaria de convento artesanal em atividade no Brasil, unindo tradição, fé e história.
- Criada por padres holandeses da Congregação do Santíssimo Redentor, a fábrica mantém técnicas europeias medievais de fermentação e utiliza equipamentos importados da Holanda desde 1907.
- Batizada em homenagem a São Clemente Maria Hofbauer, a cervejaria destina toda a renda das vendas a projetos sociais da igreja, seguindo a filosofia de autossuficiência do santo austríaco.
- Apesar de interrupções, a produção artesanal foi restaurada em 2009 pelo padre Flávio Leonardo, garantindo a continuidade dessa tradição centenária ligada à congregação que administra o Santuário Nacional de Aparecida.
No subsolo da Igreja Nossa Senhora da Glória, em Juiz de Fora, a cervejaria Hofbauer mantém uma tradição centenária que une fé, história e fermentação artesanal. A fábrica funciona desde 1894 e representa um patrimônio cultural único no Brasil: é a única cervejaria de convento totalmente artesanal ainda em atividade no país.
A história começou quando os padres holandeses Mathias Tulkens e Francisco Lohmeyer, da Congregação do Santíssimo Redentor, fundaram a cervejaria. Os religiosos trouxeram consigo a tradição europeia de produção de cerveja nos mosteiros, prática comum na Holanda e na Alemanha desde a Idade Média. Na Europa, monges desenvolveram técnicas de fermentação e criaram estilos de cerveja que se tornaram referência mundial.
Os primeiros redentoristas chegaram ao Brasil no final do século XIX e se estabeleceram em Juiz de Fora, onde construíram o convento e iniciaram a produção artesanal em caldeirões simples. Em 1907, equipamentos importados da Holanda chegaram ao porão da igreja e continuam em operação até hoje, testemunhas silenciosas de mais de um século de história cervejeira.
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Homenagem a um santo da autossuficiência
A cervejaria recebeu o nome Hofbauer em 1909, em homenagem a São Clemente Maria Hofbauer, sacerdote austríaco canonizado naquele ano. Antes, os fiéis conheciam a bebida apenas como “Cerveja do convento da Glória”.
São Clemente Maria Hofbauer viveu no século XVIII e ficou conhecido por renovar a vida religiosa em Viena, na Áustria. O santo defendia que os conventos alcançassem autossuficiência por meio da produção de alimentos e bebidas, tanto para manter as obras religiosas quanto para apoiar a população carente. A filosofia do santo guia a Hofbauer até hoje: toda a renda das vendas se destina a projetos sociais mantidos pela igreja em Juiz de Fora.
Congregação administra Santuário de Aparecida
A Congregação do Santíssimo Redentor, também conhecida como Redentoristas, foi fundada por Santo Afonso Maria de Ligório em 1732, em Scala, no sul da Itália. A ordem dedica-se à pregação de missões populares e ao atendimento de comunidades desfavorecidas. Atualmente, cerca de 5,5 mil redentoristas atuam em 82 países.
No Brasil, os Redentoristas assumiram a administração do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida há 131 anos. O complexo religioso recebe milhões de peregrinos anualmente e mantém redes de comunicação, como a TV Aparecida e a Rádio Aparecida, além de diversas entidades sociais que atendem populações vulneráveis.
Produção artesanal resiste ao tempo
A produção da cerveja Hofbauer atravessou diferentes gerações de religiosos, embora tenha enfrentado interrupções em alguns períodos por falta de pessoas com conhecimento técnico na arte cervejeira, segundo o irmão Taylor Bertoli, atual responsável pela cervejaria.
Em 2009, o padre Flávio Leonardo Santos Campos restaurou as máquinas centenárias e retomou a produção artesanal. O trabalho foi continuado pelo padre Jonas Pacheco Machado e sua equipe. Desde 2024, o irmão Taylor Bertoli lidera a fabricação com apoio de quatro colaboradores e consultoria técnica especializada.
A cervejaria produz aproximadamente 350 litros por lote, em quatro bateladas anuais. Cada remessa leva cerca de 40 dias para ficar pronta, respeitando rigorosamente o tempo de fermentação e maturação. “Oferecemos cervejas que encantam não somente pelo sabor, mas pela herança cultural. É motivo de orgulho manter viva essa tradição europeia artesanal”, afirma Taylor.
Sete estilos que contam histórias
A Hofbauer oferece sete estilos de cerveja artesanal, cada um com características distintas:
- Pilsen: clara e levemente turva, apresenta aroma maltado com toque cítrico. É o estilo mais popular no Brasil e tem origem na cidade tcheca de Plzeň.
- Belgian Blond Ale: dourada e brilhante, destaca-se pelo aroma de banana e sabor adocicado. Este é o rótulo mais premiado da Hofbauer.
- Belgian Pale Ale: cor cobre escuro, traz notas de caramelo e teor alcoólico moderado.
- Belgian Dubbel: âmbar escuro, oferece sabor caramelizado e aroma de frutas como passas e ameixas secas.
- Weissbier: turva, com aroma de cravo e frutas maduras, a receita combina maltes de cevada e trigo.
- Session IPA: leve e refrescante, apresenta aroma cítrico intenso e final seco, ideal para o clima brasileiro.
- Russian Imperial Stout (RIS): escura e encorpada, surpreende com sabor intenso de maltes torrados e alta graduação alcoólica.
O segredo está no processo
Cada tipo de cerveja segue um processo específico de fermentação e maturação, que pode durar de alguns dias a várias semanas. A equipe controla a temperatura entre 10°C e 25°C para garantir o sabor, o aroma e o frescor característicos de cada estilo.
Durante a fermentação, as leveduras transformam os açúcares do malte em álcool e gás carbônico. Na fase seguinte, a maturação, a cerveja descansa em tanques para que os sabores e aromas se desenvolvam plenamente.
A Belgian Blond Ale, por exemplo, fermenta entre 20°C e 22°C. No fim do processo, a equipe eleva a temperatura para secar o mosto e desenvolver compostos que conferem aroma e sabor únicos à bebida. Esse cuidado meticuloso rendeu à Belgian Blond diversos prêmios em competições de cerveja artesanal.
De mistério a atração turística
Desde 2023, o público pode visitar o porão da Igreja da Glória e conhecer o local onde a cerveja é produzida. “Sempre foi um lugar cercado de mistério. Abrimos para mostrar a importância dessa tradição para Juiz de Fora”, afirma Taylor Bertoli.
A Secretaria Municipal de Turismo de Juiz de Fora reconhece a Hofbauer como patrimônio cultural e turístico da cidade. A cervejaria integra o programa “Caminhando pela História”, que oferece passeios gratuitos por pontos históricos do município. A visita ao porão da Igreja da Glória figura entre as mais procuradas do roteiro.
As garrafas custam a partir de R$ 25 e podem ser adquiridas na biblioteca redentorista da Igreja da Glória ou pelo site oficial, com entrega para todo o Brasil. Todo o lucro se reverte para obras sociais mantidas pela congregação na cidade.
Preservação de um legado
A permanência da Hofbauer representa mais do que a continuidade de uma tradição cervejeira. O projeto mantém viva a memória dos primeiros redentoristas que chegaram ao Brasil, preserva técnicas artesanais europeias e demonstra como a fé pode se unir ao trabalho para gerar impacto social positivo.
Em um mercado dominado por grandes indústrias, a pequena cervejaria do porão da Igreja da Glória prova que é possível aliar tradição, qualidade e propósito social. Cada garrafa carrega consigo 130 anos de história, o legado de dezenas de religiosos dedicados e a esperança de que essa tradição continue inspirando novas gerações.
SERVIÇO
- Visitas à Cervejaria Hofbauer
- Quando: sábados, com agendamento prévio
- Capacidade: grupos de até 30 pessoas
- Valor: R$ 65 por pessoa, com direito à degustação de três cervejas, pão e bolinho de cevada
- Onde comprar: biblioteca redentorista da Igreja da Glória (Juiz de Fora-MG) ou pelo site oficial, com entrega em todo o Brasil
- Local: Igreja Nossa Senhora da Glória, Juiz de Fora-MG
- Mais informações: site oficial da Cervejaria Hofbauer