Indústria de proteína de insetos movimenta US$ 1 bilhão e atrai gigantes do agronegócio global
Foto de Lets Fly na Unsplash

A Innovafeed mantém em Nesle, no norte da França, a maior fazenda de insetos do mundo. Ela produz cerca de 15 mil toneladas de proteína por ano em uma estrutura de 35 mil metros quadrados. A operação processa cerca de 10 bilhões de larvas da mosca-soldado-negra que transformam resíduos agroindustriais em proteína para ração animal, óleo e fertilizante.

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O modelo ataca duas questões críticas do agronegócio contemporâneo: reduz desperdício de alimentos e diminui a dependência de ingredientes convencionais como soja e farinha de peixe.

A Innovafeed alimenta as larvas de Hermetia illucens com resíduos orgânicos de plantas, transformando um potencial problema de resíduos em uma fonte de proteína de alto valor. O processo biológico impressiona: em 14 dias, cada larva cresce até 10.000 vezes seu tamanho inicial.

A empresa adota uma abordagem de desperdício zero, onde todas as partes do inseto geram produtos comerciais: óleo de inseto para nutrição de aves e suínos, proteína para aquicultura e excrementos como fertilizante orgânico.

Os três principais produtos seguem destinos específicos no mercado:

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  • Proteína em pó: fabricantes incorporam o ingrediente em rações para gado, peixes e animais de estimação
  • Óleo de inseto: indústrias aplicam o produto em formulações especializadas de ração
  • Fertilizante orgânico: agricultores devolvem o material ao campo, fechando o ciclo da economia circular

Mercado bilionário atrai investimentos de gigantes do setor

Desde 2020, startups do setor de proteína de insetos receberam aproximadamente US$ 1,3 bilhão em investimentos, com US$ 500 milhões captados apenas em 2022. A Innovafeed lidera a corrida de investimentos com US$ 479 milhões captados, seguida pela Ynsect com US$ 417 milhões e a Protix com US$ 126 milhões.

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Gigantes do agronegócio como ADM, Cargill e Tyson Foods firmaram parcerias estratégicas com essas startups. E anunciaram planos para construir grandes fazendas de insetos nos Estados Unidos. Christine Johanna Picard, professora de biologia na Universidade de Indiana, afirma que o mercado de ingredientes para insetos está crescendo a uma velocidade exponencial. Com cada vez mais startups entrando no setor devido à alta demanda por proteínas alternativas.

Vantagens ambientais superam proteínas convencionais

A produção de soja provoca desmatamento no Cerrado e na Amazônia, enquanto a farinha de peixe depende de pesca predatória que compromete ecossistemas marinhos. Os insetos oferecem alternativa com menor impacto ambiental.

A Ynsect, concorrente francesa da Innovafeed, demonstra que um quilo de proteína de larva da farinha consome 40 vezes menos água do que um quilo de carne de porco. Dados da FAO indicam que são necessários 1,7 quilo de ração para produzir 1 quilo de insetos comestíveis. Enquanto 1 quilo de carne bovina demanda 10 quilos de ração.

A Protix destaca que os insetos transformam resíduos alimentares de baixa qualidade em proteínas e gorduras valiosas de alta qualidade. O processo também gera emissões reduzidas de gases de efeito estufa e utiliza recursos de forma mais eficiente.

Setor enfrenta obstáculos para alcançar viabilidade econômica

Apesar do potencial, algumas das principais empresas do setor enfrentam dificuldades financeiras para escalar suas operações e apresentar resultados positivos. A Ynsect construiu em Amiens a maior planta do gênero no mundo com 45 mil metros quadrados e capacidade para produzir 100 mil toneladas. E recorreu em setembro de 2024 ao regime de salvaguardas na justiça francesa.

A empresa reportou receita de apenas € 5,8 milhões em 2023, enquanto acumulou passivos de aproximadamente € 104 milhões. Outra startup francesa, a Agronutris, também apresentou plano de salvaguarda após o ambiente de financiamento mudar significativamente.

Jeffrey Tomberlin, professor e entomologista da Texas A&M University, estima que levará cerca de cinco anos para que a proteína dos insetos seja competitiva em relação às fontes tradicionais de ração animal. Custos tecnológicos elevados, marcos regulatórios lentos e resistência dos compradores tradicionais dificultam a expansão.

Projeções indicam crescimento acelerado até 2030

Um relatório de 2021 do Rabobank projeta que a demanda de proteínas de insetos, principalmente como ração animal e ingrediente de alimentos para animais de estimação, poderá atingir meio milhão de toneladas métricas até 2030, acima do mercado atual de aproximadamente 10 mil toneladas métricas.

O mercado global de proteínas de insetos deve crescer de US$ 189,32 milhões em 2022 para US$ 856,08 milhões até 2029. Exibindo um CAGR de 24,1% no período de previsão. Especificamente para alimentos de animais de estimação, o mercado deve expandir de US$ 0,12 bilhão em 2025 para US$ 0,27 bilhão em 2034, crescendo a um CAGR de 9,5%.

Expansão global ganha impulso com novas instalações

A parceria entre ADM e Innovafeed planejava construir em Decatur, Illinois, o que seria a maior fábrica de proteína de inseto do mundo. A própria Innovafeed deve inaugurar novas instalações até 2025, enquanto a startup Protix também planeja abrir sua nova fazenda no mesmo período.

Maye Walraven, gerente geral da Innovafeed nos EUA, afirmou que “os desafios que nossos colegas franceses estão enfrentando para passar da fase experimental para operações em escala industrial nós superamos alguns anos atrás”. Acrescentando que “o setor como um todo está fazendo um progresso sólido com volumes maiores sendo produzidos e 100% desses volumes sendo absorvidos pelo mercado”.

Futuro da proteína alternativa depende de dois fatores críticos

Analistas apontam que a aprovação regulatória em massa e a adoção pelos formuladores de ração tradicionais determinarão se a proteína de insetos deixará de ser aposta futurista para se tornar ferramenta concreta contra pressões ambientais das proteínas convencionais.

A Embrapa e parceiros nacionais e internacionais exploram o potencial de espécies como a mosca-soldado-negra, o besouro-tenébrio e o grilo-preto como componentes de rações para aves e peixes. Portanto, demonstrando que é possível substituir gradualmente as rações convencionais por uma dieta equilibrada com insetos, com substanciais benefícios econômicos e ambientais.

O modelo proposto pela Innovafeed e concorrentes pode reposicionar insetos e larvas como elo central de um sistema alimentar menos destrutivo e mais eficiente, desde que superem as barreiras econômicas e regulatórias atuais.