Resumo da notícia
- Estudo do CEPAS em parceria com a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará projeta que até 2100 até 99% do Nordeste estará em condições áridas ou semiáridas, com intensificação da desertificação, especialmente no interior cearense, se emissões continuarem altas.
- Com base em modelos climáticos, mesmo com mitigação intermediária, áreas áridas no Nordeste podem crescer de 3% para 26%, e semiáridas de 43% para quase 60%; em cenário extremo, áridas podem atingir 56,7% e semiáridas 42,4%, totalizando 99% da região.
- Ceará deve sofrer efeitos antes, com áreas subúmidas se tornando semiáridas em até duas décadas, causando redução da recarga de água, intermitência dos rios, queda na produtividade agrícola e aumento da vulnerabilidade das comunidades rurais.
- Especialistas alertam para urgência em adaptar sistemas humanos e naturais, reforçar políticas públicas e inovar em tecnologias para uso eficiente da água, destacando a COP30 como momento crucial para decisões que podem mudar esse cenário.
Um estudo apresentado pelo Centro Estratégico de Excelência em Políticas de Águas e Secas (CEPAS), em parceria com a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará, projeta que até o final do século o Nordeste brasileiro poderá ter até 99% de seu território sob condições áridas e semiáridas. O levantamento, divulgado no Boletim CEPAS na COP30, indica que o fenômeno da desertificação tende a se intensificar nas próximas décadas, especialmente no interior cearense, caso as emissões de gases de efeito estufa sigam em alta.
Projeções alarmantes
Com base em 19 modelos climáticos globais (CMIP6), o estudo avaliou a evolução das classes climáticas de Thornthwaite — que medem o equilíbrio entre temperatura e umidade — sob dois cenários de emissões: o intermediário (SSP2-4.5) e o de altas emissões (SSP5-8.5).
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Os resultados mostram que, mesmo com ações moderadas de mitigação, a área classificada como árida deve saltar de 3% para 26% do Nordeste até 2100, enquanto o semiárido avançará de 43% para quase 60%. Em um cenário extremo, de altas emissões, o quadro é ainda mais grave: o território árido pode alcançar 56,7% da região, e o semiárido, 42,4% — o que representa 99% da área total.
“O futuro está sob disputa e a COP30 é uma arena importantíssima desta batalha”, afirma o relatório. “O planeta e o semiárido nordestino podem ser diferentes, com menos estresse hídrico, dependendo das decisões tomadas pelos Estados e coletivos humanos.”
Impactos no Ceará e no semiárido
O Ceará deve sentir os efeitos antes do restante da região. O estudo aponta que áreas hoje subúmidas — como os sertões dos Inhamuns, o Cariri e o médio Jaguaribe — tendem a se tornar semiáridas já nas próximas duas décadas. “O Ceará apresenta antecipação e intensificação da aridização em relação ao conjunto do Nordeste”, destaca o documento. “Os refúgios altimétricos e litorâneos resistem por mais tempo, mas encolhem e se fragmentam até 2100.”
Entre as consequências diretas estão a redução da recarga subterrânea, o aumento da intermitência dos rios, a pressão sobre reservatórios. Por fim, a queda na produtividade agrícola. O avanço do clima seco também ameaça a biodiversidade e amplia a vulnerabilidade de comunidades rurais.
Voz dos cientistas
Para o professor Alexandre Araújo Costa, da Universidade Estadual do Ceará, o quadro exige urgência. “Identificar as possibilidades e limites de adaptação dos sistemas humanos e naturais em nosso semiárido é uma tarefa urgente”, afirma.

O engenheiro José Kerlly Soares de Araújo, pesquisador do grupo de risco climático da Universidade Federal do Ceará, reforça a gravidade das projeções: “O avanço da aridez, mesmo sob cenários moderados, evidencia a necessidade de fortalecer políticas públicas antecipatórias e inovar em tecnologias de uso eficiente da água.”
Chamado à ação
Além disso, na avaliação do diretor do CEPAS, Francisco de Assis de Souza Filho, o Nordeste é hoje “a fronteira climática do Brasil”. Ele defende que a gestão hídrica precisa se tornar adaptativa, integrando ciência, políticas públicas e comunidades locais.
O boletim encerra, portanto, com três recomendações principais para os debates da COP30, que será realizada em Belém:
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Reconhecer que o processo de aridização é antecipado e amplamente corroborado por evidências científicas;
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Basear as respostas em ciência e gestão integrada dos recursos hídricos;
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Planejar a adaptação de forma territorial, com foco especial no semiárido nordestino.
“Os sistemas de recursos hídricos devem se preparar para maior pressão de escassez”, conclui o estudo. Ou seja, “A adaptação precisa ser rápida, integrada e territorialmente focalizada.”