Relatório do CEPAS na COP30 alerta para avanço da aridez e pede ações urgentes para conter a desertificação no Nordeste
Foto: Rafa Neddemeyer - Agência Brasil

Um estudo apresentado pelo Centro Estratégico de Excelência em Políticas de Águas e Secas (CEPAS), em parceria com a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará, projeta que até o final do século o Nordeste brasileiro poderá ter até 99% de seu território sob condições áridas e semiáridas. O levantamento, divulgado no Boletim CEPAS na COP30, indica que o fenômeno da desertificação tende a se intensificar nas próximas décadas, especialmente no interior cearense, caso as emissões de gases de efeito estufa sigam em alta.

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Projeções alarmantes

Com base em 19 modelos climáticos globais (CMIP6), o estudo avaliou a evolução das classes climáticas de Thornthwaite — que medem o equilíbrio entre temperatura e umidade — sob dois cenários de emissões: o intermediário (SSP2-4.5) e o de altas emissões (SSP5-8.5).

Os resultados mostram que, mesmo com ações moderadas de mitigação, a área classificada como árida deve saltar de 3% para 26% do Nordeste até 2100, enquanto o semiárido avançará de 43% para quase 60%. Em um cenário extremo, de altas emissões, o quadro é ainda mais grave: o território árido pode alcançar 56,7% da região, e o semiárido, 42,4% — o que representa 99% da área total.

O futuro está sob disputa e a COP30 é uma arena importantíssima desta batalha”, afirma o relatório. “O planeta e o semiárido nordestino podem ser diferentes, com menos estresse hídrico, dependendo das decisões tomadas pelos Estados e coletivos humanos.”

Impactos no Ceará e no semiárido

O Ceará deve sentir os efeitos antes do restante da região. O estudo aponta que áreas hoje subúmidas — como os sertões dos Inhamuns, o Cariri e o médio Jaguaribe — tendem a se tornar semiáridas já nas próximas duas décadas. “O Ceará apresenta antecipação e intensificação da aridização em relação ao conjunto do Nordeste”, destaca o documento. “Os refúgios altimétricos e litorâneos resistem por mais tempo, mas encolhem e se fragmentam até 2100.”

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Entre as consequências diretas estão a redução da recarga subterrânea, o aumento da intermitência dos rios, a pressão sobre reservatórios. Por fim, a queda na produtividade agrícola. O avanço do clima seco também ameaça a biodiversidade e amplia a vulnerabilidade de comunidades rurais.

Voz dos cientistas

Para o professor Alexandre Araújo Costa, da Universidade Estadual do Ceará, o quadro exige urgência. “Identificar as possibilidades e limites de adaptação dos sistemas humanos e naturais em nosso semiárido é uma tarefa urgente”, afirma.

Foto: Wilson Dias – Agência Brasil

O engenheiro José Kerlly Soares de Araújo, pesquisador do grupo de risco climático da Universidade Federal do Ceará, reforça a gravidade das projeções: “O avanço da aridez, mesmo sob cenários moderados, evidencia a necessidade de fortalecer políticas públicas antecipatórias e inovar em tecnologias de uso eficiente da água.”

Chamado à ação

Além disso, na avaliação do diretor do CEPAS, Francisco de Assis de Souza Filho, o Nordeste é hoje “a fronteira climática do Brasil”. Ele defende que a gestão hídrica precisa se tornar adaptativa, integrando ciência, políticas públicas e comunidades locais.

O boletim encerra, portanto, com três recomendações principais para os debates da COP30, que será realizada em Belém:

  1. Reconhecer que o processo de aridização é antecipado e amplamente corroborado por evidências científicas;

  2. Basear as respostas em ciência e gestão integrada dos recursos hídricos;

  3. Planejar a adaptação de forma territorial, com foco especial no semiárido nordestino.

Os sistemas de recursos hídricos devem se preparar para maior pressão de escassez”, conclui o estudo. Ou seja, “A adaptação precisa ser rápida, integrada e territorialmente focalizada.”