Centro quer impulsionar estudos sobre genética, manejo e sustentabilidade na bubalinocultura
Foto: divulgação - Agência Brasil/Marcelo Camargo

Em Soure, na Ilha de Marajó, crianças nadam com búfalos em meio às águas quentes da região. A cena, comum no arquipélago paraense, revela a forte ligação dos moradores com o animal que simboliza o cotidiano local.
O Marajó abriga o maior rebanho bubalino do Brasil, com estimativas entre 650 mil e 800 mil cabeças. A maioria está concentrada em Soure, Chaves e Cachoeira do Arari. O búfalo está presente nas ruas, na culinária, no transporte e até no policiamento.

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Essa relação inspirou o fazendeiro Carlos Augusto Gouvêa, conhecido como Tonga, a planejar o Centro de Estudos da Bubalinocultura, uma espécie de “universidade do búfalo”. O projeto ainda não tem data para sair do papel, mas promete ser o primeiro espaço do país dedicado à pesquisa sobre genética, manejo e aproveitamento integral do animal. “Precisamos estudar melhor o búfalo, do melhoramento genético à agregação de valor no leite, couro e carne”, afirma Tonga. “O centro envolveria também turismo, tecnologia e medicina.”

Turismo e educação fortalecem tradição marajoara

Enquanto o projeto acadêmico não se concretiza, a Fazenda e Empório Mironga mantém viva a tradição com o turismo pedagógico. Criada em 2017, a iniciativa “Vivência Mironga” permite aos visitantes acompanhar o dia a dia da fazenda, observar o manejo dos animais e participar da produção do queijo artesanal de leite de búfala.

“Produzíamos muito queijo e doce, mas não queríamos crescer em escala. Então apostamos no turismo”, explica Gabriela Gouvêa, filha de Tonga e presidente da Associação dos Produtores de Leite e Queijo do Marajó (APLQM). Segundo ela, o turismo já representa dois terços da renda da fazenda. Em setembro, o local recebeu recorde de 400 visitantes.

Queijo do Marajó conquista reconhecimento nacional

Feito com leite cru e receitas seculares transmitidas por gerações, o queijo do Marajó é um patrimônio gastronômico e cultural. A família Gouvêa teve papel decisivo na legalização da produção artesanal e na criação de normas sanitárias específicas para o produto.

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Em 2013, a queijaria da Mironga foi a primeira a obter inspeção oficial. Anos depois, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concedeu a Indicação Geográfica (IG) ao queijo do Marajó. O processo contou com o apoio do Sebrae, que orientou produtores na formalização e organização coletiva.

Café Dona Bila une afeto e gastronomia regional

A valorização dos sabores locais também impulsiona novos negócios em Soure. O Café Dona Bila, comandado pela empreendedora Lana Correia, tornou-se ponto de encontro de moradores e turistas. Cearense radicada no Marajó, Lana mistura culinária nordestina e ingredientes paraenses, com destaque para o queijo marajoara e a carne de búfalo. “Queria um café com sabor e clima de casa. As pessoas lembram da infância quando comem aqui”, diz Lana. O cardápio tem tapioca molhada, bolo de milho cremoso e cuscuz recheado.

Pensando na COP30, que ocorrerá em Belém em novembro, a empreendedora criou dois pratos que celebram a biodiversidade local: o Cuscuz de Murrá, com filé de búfalo, e o Cuscuz Praia do Amor, com camarão regional e queijo do Marajó.
Lana vive há quatro anos na cidade e há dois comanda o café. Antes, trabalhou com educação superior em Fortaleza e Belém. Hoje, representa a nova geração de empreendedores marajoaras, apoiados por capacitações e articulações do Sebrae.

Bubalinos e desafios ambientais na Amazônia

Apesar da importância econômica e cultural, a pecuária bubalina enfrenta desafios ambientais. O último levantamento do SEEG (2023) mostra que a pecuária é a segunda maior fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil, atrás apenas das mudanças no uso da terra.
Os bovinos e búfalos emitiram 405 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, principalmente pelo metano liberado durante a digestão. Para Tonga, essas questões reforçam a urgência de um centro de estudos voltado à sustentabilidade da bubalinocultura.
“O búfalo é parte da nossa história, mas também do nosso futuro. Precisamos entender como produzir com menos impacto”, resume o fazendeiro.

Marajó mira o futuro com tradição e inovação

A Ilha de Marajó quer mostrar ao mundo que tradição e inovação podem andar juntas. Ou seja, entre o turismo pedagógico, a gastronomia afetiva e o sonho de uma universidade do búfalo, a região se prepara para entrar na rota da sustentabilidade e da pesquisa agropecuária amazônica.
No coração da Amazônia, o búfalo segue como símbolo de força, identidade e esperança para o povo marajoara.