Sistema combina imagens de satélite com machine learning para revolucionar monitoramento agrícola
Foto: Taya Parreiras/Embrapa

Pesquisadores brasileiros criaram uma metodologia revolucionária que mapeia plantações de café através de sensoriamento remoto com precisão superior a 95%. O sistema combina séries temporais de imagens do programa Harmonized Landsat Sentinel-2 (HLS) com algoritmos de inteligência artificial, especialmente Random Forest e XGBoost.

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O método identifica áreas cultivadas com café e diferencia quatro estágios fenológicos da cultura: plantio, produção, poda e renovação. A tecnologia alcança acurácia entre 77% e 95% mesmo em regiões fragmentadas, onde pequenas propriedades predominam. Os desenvolvedores destacam que a técnica é escalável e aplicável em qualquer região cafeicultora do mundo.

Tecnologia torna visíveis pequenas propriedades ignoradas por mapeamentos convencionais

“O grande desafio para o sensoriamento remoto é mapear com maior detalhamento e precisão essas regiões que são altamente produtivas, porém, com perfil de pequena e média escala produtiva. Mapeamentos de larga escala, normalmente, deixam as menores áreas invisíveis”, explica Édson Bolfe, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital (SP).

Bolfe destaca que algoritmos de inteligência artificial identificam essas áreas e aumentam a precisão dos mapeamentos via satélite. A tecnologia permite que gestores públicos e privados compreendam melhor as dinâmicas regionais de expansão, intensificação e diversificação agrícola.

Setor produtivo ganha ferramenta para reivindicar políticas públicas

A equipe realizou o mapeamento em Caconde (SP), um dos Distritos Agrotecnológicos do projeto Semear Digital. O setor produtivo demandou a pesquisa devido à ausência de dados precisos sobre a área ocupada pela cafeicultura local e seus diferentes estágios fenológicos.

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“Temos o número de propriedades e o de cafeicultores cadastrados na Receita Federal. Porém, a área [das plantações] era um dado que a gente nunca teve de forma efetiva. Fica muito no achismo”, declara Ademar Pereira, presidente do Sindicato Rural de Caconde.

Pereira avalia que a ferramenta oferece uma referência importante para pleitear políticas públicas, orientar programas de capacitação e identificar áreas de renovação do cafezal. O mapeamento também revela onde produtores adotam práticas modernas de manejo, como o esqueletamento.

Sistema hierárquico analisa dados a cada três dias

O método utiliza séries temporais densas de bandas multiespectrais, índices espectrais e métricas de textura. Os dados vêm de imagens combinadas dos satélites Landsat e Sentinel-2 (HLS), capturadas aproximadamente a cada três dias. Algoritmos de inteligência artificial como Random Forest e XGBoost analisam as informações.

Foto: Taya Parreiras/Embrapa

Um sistema hierárquico de classificação trabalha em quatro níveis. O primeiro separa vegetação nativa de áreas agrícolas. O segundo nível diferencia culturas perenes, culturas anuais e pastagens. O terceiro distingue cafezais de plantios de eucalipto. O quarto nível classifica os cafezais entre áreas de formação (até três anos), produção, poda de esqueletamento e renovação por recepa.

Precisão ultrapassa 96% nos três primeiros níveis de classificação

Os três primeiros níveis ultrapassaram 96% de precisão. No quarto nível, com maior complexidade, a acurácia média foi de 83%, mas manteve bom desempenho. A classe “produção” alcançou 94% de precisão. A poda de renovação apresentou a menor taxa: 78%.

“Do ponto de vista das imagens de satélite, a cafeicultura em fase de produção se assemelha a certos cultivos de frutíferas, como os citros. E quando está recém-plantado, se confunde com áreas de pastagens”, explica Taya Parreiras, doutoranda da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bolsista do projeto Semear Digital.

Índices espectrais e estação chuvosa são cruciais para caracterização

A pesquisa revelou que índices como NDVI, GNDVI, NDWI e SAVI caracterizam o café com maior eficácia, especialmente na estação chuvosa, quando ocorrem transições fenológicas críticas. A banda verde do HLS mostrou importância particular, respondendo sozinha por quase 40% da classificação no Nível 2.

Métricas de textura GLCM e dados de temperatura de superfície (LST) refinaram os resultados, principalmente na diferenciação entre cafezais produtivos e esqueletizados.

Random Forest e XGBoost obtiveram precisão semelhante. Porém, o Random Forest processou os dados até 15 vezes mais rápido. Os autores explicam que essa diferença é contornável em análises municipais, mas representa vantagem significativa em trabalhos com maior extensão territorial.

Ferramenta auxilia adaptação climática da cafeicultura

O avanço tecnológico surge em momento estratégico. Mudanças climáticas ameaçam o café, uma das culturas mais vulneráveis. Projeções indicam redução de áreas adequadas de plantio na América Latina, África e Ásia.

“Em um cenário de mudanças climáticas, em que a precisão na gestão da cafeicultura se torna crítica para a sustentabilidade e competitividade, essa metodologia contribui para colocar o Brasil na vanguarda do monitoramento agrícola digital”, observa Gustavo Bayma, analista da Embrapa Meio Ambiente (SP).

Bayma destaca que a metodologia não apenas mapeia, mas permite entender a dinâmica do ciclo do café. O sistema oferece instrumento robusto para orientar políticas de adaptação, garantir rastreabilidade para o mercado internacional e apoiar produtores na tomada de decisão. A tecnologia beneficia especialmente pequenas propriedades, antes invisíveis nos mapeamentos convencionais.

Os desenvolvedores preveem que o sistema fortalecerá a governança agrícola no Brasil, ampliará o acesso de produtores a crédito e seguros, e apoiará políticas de adaptação climática. A ferramenta escalável, transparente e acessível também aumentará a confiança de consumidores e mercados internacionais na rastreabilidade da produção.

Próximas etapas incluem delimitação de talhões e expansão dos testes

Todos os mapas e dados gerados estão disponíveis gratuitamente no Repositório de Dados de Pesquisa da Embrapa (Redape). Os pesquisadores planejam expandir os testes para séries plurianuais e melhorar a precisão em classes menos representadas, como a renovação.

“Estamos desenvolvendo alguns modelos para fazer a delimitação dos talhões, pois observou-se que houve uma confusão na separação de carreadores, estradas de terra e mata. A ideia é usar um modelo de aprendizado profundo para fazer delimitação exata das parcelas com o uso de imagens de alta resolução”, explica Taya Parreiras.

O objetivo é transformar o sistema em ferramenta operacional para órgãos públicos, cooperativas, sindicatos e produtores. A iniciativa visa manter a liderança mundial do Brasil no mercado de café e fortalecer a sustentabilidade do setor.

Pesquisa internacional é publicada em revista científica

A revista científica Remote Sensing publicou os resultados. O artigo “Dense Time Series of Harmonized Landsat Sentinel-2 and Ensemble Machine Learning to Map Coffee Production Stages” está disponível gratuitamente online.

Além das equipes da Embrapa e da Unicamp, o trabalho contou com pesquisadores da Administração Nacional Aeronáutica e Espacial dos EUA (Nasa) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Semear Digital leva tecnologia digital para pequenos produtores

O mapeamento dos cafezais de Caconde faz parte das ações do Centro de Ciência para o Desenvolvimento em Agricultura Digital, conhecido como Semear Digital. A Embrapa Agricultura Digital coordena a iniciativa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O projeto visa levar tecnologias digitais e soluções de conectividade para pequenos e médios produtores rurais. O Semear Digital estabeleceu dez Distritos Agrotecnológicos (DATs) em diferentes regiões do País, incluindo Caconde. Em cada local, uma equipe multidisciplinar da Embrapa e instituições associadas realizou diagnóstico e desenvolve ações de pesquisa e transferência de tecnologia específicas para atender necessidades locais.