Resumo da notícia
- O ministro Carlos Fávaro entregou a Medalha de Mérito Apolônio Salles à pesquisadora Mariangela Hungria, reconhecendo seus mais de 40 anos de dedicação à agricultura sustentável e avanços em bioinsumos no Brasil.
- Hungria revolucionou o uso de insumos biológicos, consolidando o Brasil como referência mundial em tecnologias sustentáveis para produção de alimentos.
- A pesquisadora dedicou a honraria aos colegas e mulheres da ciência, destacando o valor do reconhecimento dentro da Embrapa, instituição onde atua desde 1982.
- Poucos dias antes, Mariangela recebeu o World Food Prize 2025, tornando-se a primeira brasileira e décima mulher no mundo a conquistar o "Nobel da Agricultura".
O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, entregou nesta quarta-feira (5) a Medalha de Mérito Apolônio Salles à pesquisadora da Embrapa Soja Mariangela Hungria. A cerimônia aconteceu no auditório Olacyr de Moraes, no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em Brasília, e reconheceu mais de 40 anos de dedicação da cientista à agricultura sustentável.
A honraria destaca a relevância científica e o impacto social da trajetória de Hungria, que revolucionou o uso de insumos biológicos na agricultura brasileira. Suas pesquisas consolidaram o Brasil como referência mundial em tecnologias sustentáveis de produção de alimentos.
Durante a solenidade, Fávaro enfatizou que a homenagem simboliza um reconhecimento à própria Embrapa e à excelência da ciência pública brasileira. “A Embrapa é orgulho do Brasil e referência mundial. Em todas as agendas internacionais, todos querem parceria com a Embrapa. Esta medalha entregue à Mariangela representa também 52 anos de história da instituição”, afirmou o ministro.
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Fávaro anunciou ainda que esta será a única entrega da medalha durante seu mandato. “É uma homenagem verdadeira, de grandeza equivalente à grandeza da homenageada. O Brasil lidera hoje o avanço dos bioinsumos no mundo, e isso tem o dedo da Mariangela”, declarou.
Reconhecimento tem valor especial para cientista
Ao agradecer a homenagem, Hungria destacou o significado especial de receber o reconhecimento da própria instituição. “Eu sempre digo que considero a Embrapa o braço de ciência e tecnologia do Mapa, então sempre me senti muito à vontade aqui. Ser reconhecida dentro da nossa própria casa tem um valor imenso”, afirmou.

A pesquisadora dedicou o prêmio aos colegas, estudantes e pesquisadores que acreditaram no potencial dos biológicos para transformar a agricultura. “Esse prêmio não é meu, é de todos que trabalharam comigo. Dedico esta medalha às mulheres da ciência e da agricultura, muitas vezes invisíveis, mas essenciais para a segurança alimentar do país”, disse.
Primeira brasileira a vencer o “Nobel da Agricultura”
O Mapa entregou a medalha poucos dias após Hungria receber, em Des Moines, nos Estados Unidos, o World Food Prize 2025, considerado o “Nobel da Agricultura”. A cientista brasileira tornou-se a primeira mulher do país e a décima mulher no mundo a conquistar o prêmio desde sua criação. A premiação reconhece personalidades que contribuem de forma decisiva para a segurança alimentar global.
Formada em Engenharia Agronômica pela Esalq/USP, com mestrado em Solos e Nutrição de Plantas e doutorado em Ciência do Solo pela UFRRJ, Mariangela Hungria ingressou na Embrapa em 1982. Desde então, dedicou sua carreira à pesquisa em microbiologia do solo.
Descobertas geram impacto econômico e ambiental
As descobertas de Hungria impulsionaram o uso de microrganismos capazes de fixar nitrogênio e substituir fertilizantes químicos. As tecnologias desenvolvidas pela pesquisadora estão presentes em aproximadamente 85% da área de soja cultivada no Brasil, além de lavouras de feijão, milho, trigo e pastagens.
Os resultados geram ganhos econômicos, ambientais e tecnológicos significativos. Somente em 2024, a economia estimada ao dispensar o uso de fertilizantes nitrogenados chegou a US$ 25 bilhões. O uso dessas bactérias também mitigou a emissão de mais de 230 milhões de toneladas de CO₂ equivalentes para a atmosfera no mesmo ano.
Ciência pública transforma milhões de hectares
A presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, destacou o simbolismo da conquista para a ciência brasileira. “Esta medalha repousa sobre os ombros da Mariangela, mas suas raízes estão fincadas em quatro décadas de pesquisa e milhões de hectares transformados. Ela mostrou ao Brasil e ao mundo que o solo não é só chão, é vida”, afirmou.
Massruhá, primeira mulher a presidir a Embrapa, celebrou o feito da primeira pesquisadora brasileira a integrar a lista do “Nobel da Agricultura”. “Com ciência pública e compromisso social, a Embrapa seguirá formando muitas outras Mariangelas”, declarou.
Há mais de 40 anos, Mariangela Hungria desenvolve inovações na área de microbiologia do solo, o que resultou no lançamento de mais de 30 tecnologias. Suas pesquisas focam no aumento da produção e na qualidade de alimentos por meio da substituição, total ou parcial, de fertilizantes químicos por microrganismos.
A inoculação anual da soja com Bradyrhizobium aumenta, em média, 8% a produção de grãos, mesmo em áreas que já receberam inoculantes antes. Altos rendimentos são alcançados sem nenhuma aplicação de fertilizante nitrogenado. Os produtores adotam a tecnologia em 85% da área cultivada com soja no Brasil.
Coinoculação expande benefícios
Outra tecnologia lançada pela pesquisadora, a coinoculação da soja, agrega bactérias fixadoras de nitrogênio (Bradyrhizobium) e bactérias promotoras de crescimento de plantas (Azospirillum brasilense). Em pouco mais de 10 anos, os agricultores já adotam a coinoculação em aproximadamente 35% da área total cultivada de soja.
A pesquisadora também coordena trabalhos que culminaram com o lançamento de outras tecnologias: autorização e recomendação de bactérias (rizóbios) e coinoculação para a cultura do feijoeiro, Azospirillum brasilense para as culturas do milho, trigo e pastagens com braquiárias.

Em 2021, sua equipe lançou uma tecnologia que permite a redução de 25% na fertilização nitrogenada de cobertura em milho por meio da inoculação com Azospirillum brasilense, gerando benefícios econômicos significativos para os agricultores e impactos ambientais positivos para o país.
Trajetória marcada por coerência e persistência
Nascida em 1958, em São Paulo, e criada em Itapetininga (SP), Mariangela desenvolveu desde a infância curiosidade pelos aspectos relacionados à terra, à água e ao ar. Sua busca por conhecimento a levou a cursar Engenharia Agronômica (Esalq/USP), mestrado em Solos e Nutrição de Plantas (Esalq/USP) e doutorado em Ciência do Solo (UFRRJ).
A pesquisadora cursou o doutorado na UFRRJ a convite de Johanna Döbereiner, cientista que revolucionou a agricultura tropical ao descobrir e aplicar a fixação biológica de nitrogênio em culturas agrícolas. Mariangela realizou a tese na Embrapa durante o período.
Em 1982, tornou-se pesquisadora da Embrapa Agrobiologia (Seropédica, RJ) e, desde 1991, atua na Embrapa Soja (Londrina, PR). A cientista acumula três pós-doutorados em universidades nos Estados Unidos e Espanha (Cornell University, University of California-Davis e Universidade de Sevilla).
Mariangela possui mais de 500 publicações científicas, documentos técnicos, livros e capítulos de livros. A pesquisadora já orientou mais de 200 alunos de graduação e pós-graduação.
“Sempre acreditei na vida no solo, nos microrganismos restaurando a fertilidade, em uma agricultura altamente produtiva que não prejudica o meio ambiente. Nunca me desviei nem um milímetro do que eu acreditava. Essa coerência — tanto na pesquisa quanto na minha postura — trouxe credibilidade científica e fortes conexões com o setor agrícola”, ressalta a pesquisadora.
Acúmulo de premiações e reconhecimentos
Mariangela integra a Ordem Nacional do Mérito Científico como comendadora e atua como membro titular da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Brasileira de Ciência Agronômica e da Academia Mundial de Ciências. A cientista leciona e orienta na pós-graduação em Microbiologia e em Biotecnologia na Universidade Estadual de Londrina. Também participa da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo e da Sociedade Brasileira de Microbiologia.
Desde 2020, Mariangela figura entre os 100 mil cientistas mais influentes no mundo, de acordo com estudo da Universidade de Stanford (EUA). Em 2022, a pesquisadora ocupou a primeira posição brasileira, confirmada em 2025, em Fitotecnia e Agronomia e em Microbiologia, segundo lista publicada pelo Research.com.
A cientista já recebeu várias premiações pela sustentabilidade em agricultura, como os prêmios Frederico Menezes, Lenovo-Academia Mundial de Ciências, da Frente Parlamentar Agropecuária e da Fundação Bunge. Em 2025, recebeu o Prêmio Mulheres e Ciência, promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com o Ministério das Mulheres, o British Council e o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe.
Presença na lista TIME100 Climate 2025
Mariangela Hungria integra a lista TIME100 Climate 2025, que reconhece as 100 personalidades inovadoras e mais influentes do mundo na agenda climática. A cientista figura na categoria Defenders (Defensores – Impulsionando ações em prol das comunidades). A revista TIME publicou a lista completa na edição de 10 de novembro de 2025.
“Trabalhar com a produção de alimentos almejando a segurança alimentar usando práticas sustentáveis que permitem ‘defender’ o planeta é um privilégio. Passei a vida pesquisando sobre a substituição de químicos por biológicos na agricultura, sempre que possível. Esse reconhecimento tem um valor enorme, pois valoriza a adoção de práticas sustentáveis na agricultura”, comemora a cientista.
Participação na COP30
Mariangela participará das ações da Embrapa na Agrizone, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 – COP30, que será realizada em Belém (PA), em novembro. “Espero transmitir a mensagem sobre a viabilidade do uso de produtos biológicos para substituir agroquímicos. Com isso, mitigamos a emissão de gases de efeito estufa e também aumentamos o acesso a alimentos de qualidade”, declara.
O governo instituiu a Medalha de Mérito Apolônio Salles em 1987 para destacar cidadãos que prestam serviços relevantes à agricultura brasileira. A solenidade contou com a presença do secretário-executivo adjunto do Mapa, Cleber Soares, e de representantes do setor produtivo, da academia e de instituições públicas.