Pesquisa da Universidade do Colorado mostra que nem mesmo tecnologias de resfriamento climático conseguem proteger produtos que movimentam bilhões no mercado global
Foto: Wenderson Araujo/Trilux/Sistema CNA/Senar

Três dos produtos mais consumidos no planeta, café, chocolate e vinho, enfrentam um futuro incerto diante das mudanças climáticas. Um estudo recente da Universidade Estadual do Colorado (CSU) traz um alerta preocupante: nem mesmo tecnologias avançadas de resfriamento artificial do planeta seriam suficientes para salvar essas culturas de luxo.

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A pesquisa, liderada pela Dra. Ariel L. Morrison, testou o impacto da injeção de aerossóis na estratosfera (SAI). A técnica espalha partículas reflexivas na atmosfera para reduzir temperaturas. Em 18 das principais regiões produtoras dessas culturas, os resultados foram desanimadores: apenas seis localidades mostraram melhora consistente.

Definidas como produtos cultivados por seu alto valor de mercado, as culturas de luxo incluem café, cacau, chá, baunilha, açafrão e trufas. Milhões de agricultores dependem dessas plantações em regiões como Gana, Brasil e França, onde condições climáticas específicas sempre foram essenciais para a produção de qualidade.

O problema é que essas condições estão mudando rapidamente. Temperaturas em elevação, padrões de chuva alterados e umidade irregular comprometem desde pequenas propriedades familiares até grandes vinhedos comerciais.

Por que o resfriamento artificial falha

A equipe da CSU analisou dados climáticos projetados para o período entre 2036 e 2045, utilizando modelos climáticos avançados e métricas de adequação agrícola. Embora a técnica SAI consiga reduzir temperaturas superficiais, ela não controla outros fatores críticos.

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“Reduzir a temperatura apenas com SAI não é suficiente”, explica a Dra. Morrison. “As espécies de cacau, por exemplo, embora mais tolerantes ao calor que café e uvas, são altamente suscetíveis a pragas e doenças causadas pela combinação de altas temperaturas, chuva e umidade.”

O estudo revelou que o resfriamento pode até baixar temperaturas, mas não garante chuvas adequadas nem previne oscilações climáticas extremas. Em vinhedos, por exemplo, o calor excessivo na primavera provoca brotação precoce, aumentando o risco de geadas tardias que destroem as plantas.

Cacau, café e vinho: cada um com seu desafio

Cacau: nas regiões produtoras da África Ocidental, o aumento de semanas chuvosas favorece surtos de fungos como a “podridão-parda”, que estraga as vagens antes da colheita.

Café: uma única noite fria pode comprometer os grãos, enquanto períodos secos prolongados prejudicam floração e desenvolvimento. No leste do Brasil, simulações mostraram ganhos de confiabilidade hídrica em alguns cenários e perdas em outros – volatilidade que dificulta planejamento de longo prazo.

Vinho: vinhedos precisam de invernos definidos para descanso adequado. Temperaturas inconsistentes causam brotação fora de época, expondo as videiras a geadas destrutivas.

A variabilidade natural complica o cenário

Mesmo quando condições médias parecem aceitáveis, a variabilidade climática natural pode arruinar colheitas inteiras. Uma sequência inesperada de semanas chuvosas ou uma geada surpresa anulam os benefícios de temperaturas mais amenas.

“A intervenção climática por SAI pode oferecer alívio temporário do aumento das temperaturas em algumas regiões, mas não é uma solução garantida”, adverte Morrison.

Segundo os pesquisadores, a salvação dessas culturas depende de estratégias localizadas de adaptação. Entre as opções estão:

  • Mudança de variedades mais resistentes
  • Alteração no manejo da copa das plantas
  • Melhoria em sistemas de drenagem
  • Ajuste nas épocas de colheita
  • Investimento em sombreamento e proteção contra vento
  • Sistemas de irrigação e armazenamento de água

“Estratégias de adaptação adaptadas às condições locais, investimento em práticas agrícolas resilientes e cooperação global são essenciais para salvar essas culturas e as comunidades que dependem delas”, conclui a cientista.

Impacto global

A crise não afeta apenas produtores rurais. O setor de culturas de luxo movimenta bilhões de dólares anualmente e emprega milhões de pessoas em países em desenvolvimento. A escassez desses produtos pode elevar preços drasticamente, tornando itens do cotidiano – como uma xícara de café ou uma barra de chocolate – verdadeiros luxos inacessíveis.

O estudo deixa claro: as mudanças climáticas não estão apenas alterando o tempo, mas reescrevendo a geografia da produção agrícola mundial. Sem ações urgentes de adaptação, café, chocolate e vinho podem se tornar cada vez mais raros e caros nas próximas décadas.