Uma conjuntura inédita no mercado global de proteína animal está em formação e promete redefinir os fluxos de exportação e os preços da carne bovina nos próximos anos. Pela primeira vez na história moderna, os três maiores exportadores mundiais, Brasil, Estados Unidos e Austrália, estão movendo-se em sincronia dentro do ciclo de produção pecuária, um fenômeno que especialistas alertam para uma significativa contração da oferta global a partir de 2025, com pico de pressão sobre os preços em 2026.

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O que é o ciclo da pecuária?

Para entender o impacto, é crucial compreender o chamado “ciclo da pecuária”. É um movimento natural de oferta e demanda dentro da cadeia. Quando os preços estão altos e há expectativa de lucro, os pecuaristas retêm fêmeas (vacas e novilhas) para reproduzir e expandir o rebanho futuro. Essa retenção momentânea retira animais do ciclo de abate (já que essas fêmeas não viram carne imediatamente), reduzindo a oferta disponível no curto prazo e mantendo os preços elevados.

Anos depois, com o rebanho ampliado, há um aumento natural na oferta de animais para abate, o que tende a pressionar os preços para baixo. O que torna o momento atual extraordinário é que essa fase de retenção de fêmeas está ocorrendo simultaneamente nas três principais potências exportadoras.

Um fenômeno de causas múltiplas e simultâneas

O alinhamento atual não é uma coincidência. Mas o reflexo de condições de mercado favoráveis e de eventos climáticos que afetaram os três países quase ao mesmo tempo.

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Brasil: após um período de liquidação de rebanho, impulsionado por altos preços internacionais e pela recuperação de pastagens após secas severas, o produtor brasileiro iniciou um forte processo de retenção de matrizes. A perspectiva de valorização futura e a demanda internacional aquecida são os principais motores.

Estados Unidos: o país vem registrando um encolhimento histórico de seu rebanho, o menor em décadas. Secas prolongadas em importantes estados pecuaristas forçaram o abate de milhares de matrizes. Agora, com a melhora nas condições climáticas e preços recordes no varejo, os produtores norte-americanos iniciaram a reconstrução de seus plantéis, retendo cada vez mais fêmeas.

Austrália: após anos de abate intensivo devido a secas devastadoras, o retorno das chuvas e a recomposição das pastagens permitiram que os australianos também entrassem em um ciclo de retenção de fêmeas para reconstruir seus rebanhos, que haviam chegado a mínimas históricas.

O impacto no mercado global: oferta apertada e preços em alta

A análise do renomado analista de mercado norte-americano Dennis Smith, da Archer Financials, publicada no Beef Magazine, é clara. O efeito imediato dessa sincronia global será a redução progressiva da oferta exportável de carne bovina.

“Quando essas três potências decidem segurar fêmeas ao mesmo tempo, a quantidade de carne disponível no mercado internacional encolhe drasticamente. É uma equação simples de oferta e demanda”, explica o analista.

A consequência direta será uma pressão ascendente adicional nos preços internacionais, que já operam em patamares elevados. Especialistas do setor projetam que o ápice desse movimento deve ser sentido em 2026, quando a escassez de produto para exportação estará mais evidente.

Importadores tradicionais, como China, Chile, Egito e países do Sudeste Asiático, poderão enfrentar um cenário de competição ainda mais acirrada por volumes limitados de carne, o que tende a inflacionar ainda mais as cotações.

E no longo prazo?

O ciclo é dinâmico. A retenção atual significa que, no médio prazo (a partir de 2027/2028), esses rebanhos expandidos começarão a gerar uma maior oferta de animais terminados. O que poderá levar a um aumento na produção de carne e uma eventual moderação nos preços. No entanto, o período até lá promete ser de volatilidade e altas significativas, marcando uma nova era para o comércio global de carne bovina.