Previsão de 24,5 milhões de toneladas garante oferta, mas especialistas brasileiros, após visita a campos, temem grão inferior e buscam soluções para manter padrão ao consumidor final
Foto: Abritrigo

A Argentina se prepara para colher uma safra recorde de trigo de 24,5 milhões de toneladas na temporada 2025/26, assegurando o abastecimento para o Brasil, seu principal cliente. No entanto, a exuberante quantidade esconde uma preocupação que chegou aos ouvidos e olhos de representantes da indústria moageira brasileira: a queda na qualidade do grão.

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A projeção histórica, divulgada pela Bolsa de Comercio de Rosario, supera todos os recordes anteriores e coloca o país em posição de exportar cerca de 20 milhões de toneladas. Desse total, o Brasil, que deve importar aproximadamente 5 milhões de toneladas este ano, é o destino mais importante.

“Temos grande otimismo com a comercialização externa, que dependerá da demanda do Brasil”, afirmou Bruno Ferrari, líder de análises econômicas da Bolsa de Rosario.

Preocupação na prática: missão técnica confirma queda na qualidade

O otimismo com o volume, porém, foi temperado pela realidade observada em campo. Entre os dias 18 e 20 de novembro, uma missão de representantes de moinhos brasileiros, o Giro Abitrigo – Argentina, percorreu lavouras, terminais portuários e reuniu-se com especialistas do setor na província de Santa Fé. A constatação foi unânime: a falta de segregação (separação por qualidade) na exportação e as condições climáticas devem resultar em um trigo de qualidade inferior.

“O volume é muito alto, mas temos a expectativa de um grão inferior. Para o Brasil, isso significa que os moinhos precisarão estar atentos e buscar soluções para garantir a qualidade ao cliente final”, alertou Eduardo Assêncio, superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo).

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Impacto para a indústria brasileira e busca por soluções

O cenário coloca os moinhos nacionais em estado de atenção. A Argentina é um fornecedor estratégico, responsável por grande parte do trigo importado pelo Brasil, especialmente no Nordeste, onde supre 85% do consumo.

Para Fábio Augusto Lopes, diretor financeiro do Grande Moinho Cearense, que participou do Giro Abitrigo, a experiência foi essencial. “A troca de experiências e o contato direto com produtores ampliaram meu entendimento sobre o produto e suas especificidades técnicas. Isso é crucial para enfrentarmos os desafios da qualidade”, disse.

Apesar das preocupações, há espaço para cautela. Um representante da ocrim notou que lotes recentes já mostram uma melhora, principalmente no teor de proteína. A competitividade de preços e o volume exportável da Argentina seguem como fatores atrativos inquestionáveis.

Um ano de gestão estratégica

O setor se vê diante de um paradoxo: uma oferta abundante e preços competitivos, porém com um desafio qualitativo. A missão técnica reforçou a necessidade de estratégias de gestão e negociação mais apuradas para a próxima temporada.

“Finalizamos o Giro Abitrigo com um saldo muito positivo. O grupo pôde conhecer as condições da safra, o que possibilita uma melhor programação para a chegada dos lotes. Esse é o objetivo: oferecer conhecimento para que o negócio do trigo no Brasil siga crescendo em lucratividade e qualidade”, finalizou Eduardo Assêncio, da Abitrigo.

A safra recorde argentina chega, portanto, como uma boa notícia que exige cuidado, transformando 2026 em um ano de teste para a resiliência e a expertise da indústria de moagem brasileira.