Resumo da notícia
- Rendimentos da pesca no Alto Rio Paraná caíram 50% em 20 anos devido à invasão de espécies exóticas e à degradação ambiental causada pela ocupação humana na região.
- Peixes nativos, como o pintado, estão cada vez menores e mais raros, enquanto espécies invasoras, como o tucunaré, aumentam em tamanho e abundância.
- Espécies nativas têm valor de mercado 80% superior aos invasores, fazendo com que a substituição prejudique economicamente os pescadores locais.
- O estudo, baseado em dados do Programa Ecológico de Longa Duração, destaca a grave perda de biodiversidade e o impacto socioeconômico da mudança na composição das espécies.
Resumo gerado pela redação.
Análise de dados coletados ao longo de 20 anos no trecho superior do rio aponta queda de 50% nos ganhos econômicos com a pesca, com peixes nativos cada vez menores. Já os invasores, que têm valor de mercado mais baixo, são cada vez mais abundantes
O rendimento pesqueiro caiu cerca de 50% em duas décadas no Alto Rio Paraná, divisa entre os estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. A queda é um efeito da invasão de espécies exóticas e da ocupação humana na região, de acordo com estudo publicado na revista Nature Ecology & Evolution.
Os autores analisaram dados coletados entre 2002 e 2022 pelo Programa Ecológico de Longa Duração da Planície de Inundação do Alto Rio Paraná (PELD-PIAP), que desde o ano 2000 investiga e cataloga a biodiversidade e as condições ambientais na área. No período analisado, o tamanho médio dos peixes explorados comercialmente diminuiu. Ao mesmo tempo, os ganhos econômicos com a pesca caíram pela metade.
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“À medida que aumentou a degradação ambiental por causa da ocupação humana, espécies nativas como o pintado [Pseudoplatystoma corruscans] passaram a ser menos capturadas pelos pescadores e no monitoramento realizado pelo PELD-PIAP, com os indivíduos encontrados cada vez menores”, explica Dieison Moi, primeiro autor do trabalho, realizado durante pós-doutorado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) com bolsa a FAPESP. “Ao mesmo tempo, invasores como o tucunaré [Cichla sp.], nativo da bacia amazônica, aumentaram de tamanho corporal e tornaram-se mais abundantes”, complementa.
Além dos conhecidos danos aos ecossistemas provocados pela substituição de espécies nativas por invasoras, como perda de biodiversidade, para os pescadores a troca também é prejudicial em termos econômicos. Isso porque, em média na região, os peixes nativos têm valor de mercado 80% superior aos invasores. Enquanto os cada vez mais raros pintados nativos podiam custar cerca de R$ 47 (US$ 8,26) por quilo na época da publicação do estudo, por exemplo, a mesma quantidade dos abundantes tucunarés invasores valia cerca de R$ 9 (US$ 1,65).
“A substituição de espécies nativas por invasoras é um fenômeno que tem sido observado no mundo todo. Com grave impacto na biodiversidade e na vida de populações humanas que dependem da pesca. No entanto, poucos estudos possuem uma amostragem contínua como a que usamos. E que demonstra o tamanho do problema de forma bastante clara”, comenta Gustavo Quevedo Romero, professor do IB-Unicamp e autor sênior do trabalho.
Rio grande, peixes pequenos
Atualmente, Romero coordena três projetos apoiados pela FAPESP. Incluindo um no âmbito do Programa BIOTA e outro no do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (23/01589-0, 22/10765-3 e 19/08474-8).
Com 5.695 quilômetros de extensão, o Paraná é o segundo maior rio da América do Sul e quarto do mundo em área de drenagem. Apesar de ocupar 10% do território nacional, sua bacia tem a maior concentração populacional do Brasil, com 32% da população do país. Em 1984, a porção mais alta do rio recebeu a Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional, alterando profundamente os ecossistemas locais.

Para o estudo, os pesquisadores analisaram oito ambientes — cinco lagos e três rios — ao longo da planície de inundação do Alto Rio Paraná. Eles amostraram cada ambiente quatro vezes ao ano, uma em cada estação. Em cada local, colocaram redes de pesca sempre nos mesmos pontos, onde permaneceram por 24 horas, realizando três coletas diárias de peixes de diferentes tamanhos.
Métodos
Para analisar a ocupação humana na região entre 2002 e 2022, os pesquisadores recorreram a mapas gerados por satélite disponíveis no MapBiomas, em que as áreas foram classificadas em naturais (florestas, terras alagadas e corpos d’água) e humanas (áreas agrícolas e cidades).
Os autores observaram uma correlação entre a perda de espécies nativas e a intensificação da ocupação humana. Para 31 espécies nativas (36,9%) houve ligação direta entre fenômenos como o desmatamento e a urbanização e a diminuição de biomassa, seja em quantidade de indivíduos ou no tamanho deles. Apenas três espécies nativas (3,5%) se beneficiaram.
Com as invasoras ocorreu o inverso. 20 espécies (37%) se beneficiaram da intensificação do uso do solo e apenas duas (3,7%) foram prejudicadas, quando analisado o mesmo critério. Ao mesmo tempo, pesquisadores associaram o aumento no tamanho corporal das espécies nativas ao maior potencial pesqueiro da região. Por outro lado, o aumento no tamanho corporal das invasoras reduziu o potencial pesqueiro da região.
“A presença de espécies não nativas causa uma erosão do suprimento de serviços ecossistêmicos nessa região. Há um efeito em cascata, em que a ocupação humana reduz a cobertura de áreas naturais, prejudicando espécies nativas e favorecendo invasoras. Com isso, as nativas diminuem em tamanho e presença, o que causa um declínio na pesca”, afirma Moi.
Resultados
Da perspectiva da provisão de serviços ecossistêmicos, os resultados do estudo demonstram como pode ser muito mais efetivo desenvolver estratégias de conservação e manejo dos recursos naturais do que introduzir espécies não nativas. No entanto, as políticas públicas que buscam enfrentar o problema normalmente fazem o contrário. Facilitando ou mesmo incentivando a introdução de peixes advindos de outros ambientes.

“Precisamos de recursos para estudos de longo prazo como o PELD-PIAP, que por sua vez podem fornecer as evidências científicas necessárias para dar base para as políticas públicas nesse campo e beneficiar as espécies e a população humana”, afirma o pesquisador.
Além da Unicamp, o estudo teve participação de pesquisadores das universidades estaduais de Maringá (UEM) e Santa Catarina (Udesc), federais de São Carlos (UFSCar) e Santa Catarina (UFSC) e de universidades do Uruguai e do Reino Unido.
Por André Julião | Agência FAPESP
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