Tecnologia da Embrapa usa luz ultravioleta para identificar nematoides com 80% de precisão e reduzir uso de defensivos químicos
Foto: Wilson Aiello/Embrapa

Um sistema robótico autônomo desenvolvido pela Embrapa Instrumentação promete transformar o combate a uma das principais ameaças às lavouras brasileiras de algodão e soja. Batizado de LumiBot, o equipamento é capaz de diagnosticar a presença de nematoides nas plantas antes mesmo do aparecimento dos sintomas visíveis, utilizando uma tecnologia baseada em luz ultravioleta.

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O protótipo, desenvolvido em parceria com a Cooperativa Mista de Desenvolvimento do Agronegócio (Comdeagro) de Mato Grosso, registra taxas de acerto superiores a 80% no diagnóstico de infecções por esses parasitas microscópicos, que causam prejuízos bilionários ao agronegócio nacional.

Prejuízos bilionários motivam inovação

Os nematoides, vermes microscópicos que variam entre 0,3 e 3 milímetros de comprimento, representam uma ameaça significativa para o agronegócio brasileiro. Na cultura da soja, os prejuízos chegam a R$ 27,7 bilhões anuais, segundo estudo da Sociedade Brasileira de Nematologia (SBN), Syngenta e consultoria Agroconsult. No algodão, as perdas superam R$ 4 bilhões por ano.

“Existem vários exemplos de áreas de produção que se tornaram inviáveis pela infestação desses parasitas”, alerta Rafael Galbieri, pesquisador do Instituto Mato-grossense do Algodão (IMAmt). Ele destaca que há relatos de perdas entre 50% e 60% em casos extremos, com média de 10% a 12% em determinadas regiões.

A ameaça torna-se ainda mais relevante diante das perspectivas de safra recorde para 2025/26. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê produção de 4,09 milhões de toneladas de pluma de algodão e 177,67 milhões de toneladas de grãos de soja.

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Como funciona o diagnóstico por luz

O LumiBot opera durante a noite, deslocando-se por trilhos instalados entre as fileiras de plantas. O equipamento emite luz ultravioleta-visível sobre as folhas e captura imagens da fluorescência emitida por meio de câmeras científicas. Todo o processo de captura leva apenas sete segundos por amostra.

“A imagem obtida resulta da excitação das folhas com luz ultravioleta-visível, que induz compostos moleculares, como a clorofila e alguns metabólitos secundários, a emitirem luz por meio do processo de fluorescência”, explica Débora Milori, coordenadora do estudo e do Laboratório Nacional de Agrofotônica (Lanaf).

O robô ilumina e fotografa ao mesmo tempo as folhas das plantas de algodão e soja em 7 segundos. Foto: Wilson Aiello/Embrapa

A tecnologia embarcada no robô é chamada de Imagem de Fluorescência Induzida por LED (LIFI). Trata-se de um método não destrutivo que permite uma aquisição rápida de dados sobre processos fisiológicos das plantas. Algoritmos de aprendizado de máquina processam as imagens captadas e identificam padrões relacionados a doenças específicas.

Um dos principais diferenciais da tecnologia é sua capacidade de diferenciar estresses bióticos, provocados por fungos, bactérias e vírus, de estresses abióticos, como deficiências nutricionais e falta de água. “Conseguimos gerar dados e modelos com taxas de acerto acima de 80%, além de diferenciar as doenças do estresse hídrico”, ressalta Milori.

Redução no uso de defensivos químicos

O método convencional de controle de nematoides baseia-se na aplicação de nematicidas no solo ou nas sementes antes do plantio. Esses produtos têm custo elevado, podem causar impacto ambiental e apresentam eficácia variável dependendo das condições do solo.

O diagnóstico precoce e o mapeamento da infestação permitem a aplicação de defensivos químicos somente nas regiões infestadas, gerando economia e mais sustentabilidade. Foto: Wilson Aiello/Embrapa

O diagnóstico precoce proporcionado pelo LumiBot permite uma abordagem diferente. Com a identificação precisa das áreas infestadas, os agricultores podem aplicar estratégias de controle apenas nas regiões efetivamente afetadas, evitando o uso excessivo de defensivos químicos.

“O diagnóstico precoce de doenças é fundamental para que os agricultores possam agir rapidamente e de forma localizada. Com isso, evita-se o uso excessivo de defensivos químicos e a redução do impacto ambiental, um avanço importante para a agricultura de precisão no Brasil”, afirma Sérgio Dutra, consultor da Comdeagro.

Resultados promissores em ambiente controlado

O protótipo do LumiBot já passou por três anos de testes em casa de vegetação, com a coleta de aproximadamente sete mil imagens. Os experimentos foram conduzidos com 400 plantas em vasos, divididas em quatro grupos: controle, estresse hídrico, plantas inoculadas com o nematoide Aphelenchoides besseyi e plantas inoculadas com o Rotylenchulus reniformis.

Essas duas espécies estão entre as mais comuns encontradas nas lavouras brasileiras. O Rotylenchulus reniformis é frequente em regiões tropicais e subtropicais, enquanto o Aphelenchoides besseyi, responsável por sintomas como haste verde e retenção foliar, prolifera em ambientes quentes e úmidos.

“Os nematoides são um problema muito sério dentro do cultivo do algodão e resultam em muitas perdas para os agricultores. Principalmente para o Estado do Mato Grosso”, destaca Dutra.

Próximos passos rumo ao campo

Apesar dos resultados promissores, o LumiBot ainda é um protótipo de laboratório. A próxima etapa do projeto prevê o desenvolvimento de um equipamento adaptado para operação em campo, como a integração do aparato óptico em veículos agrícolas do tipo pulverizador gafanhoto ou veículos rover.

O projeto conta com o suporte da Embrapii Itech-Agro (Integração de Tecnologias Habilitadoras no Agronegócio) da Embrapa Instrumentação, que busca minimizar custos e alavancar as cadeias produtivas da soja e do algodão. O projeto físico e de automação foi desenvolvido em parceria com a empresa Equitron Automação, de São Carlos (SP).

A equipe apresentou o LumiBot publicamente durante o Simpósio Nacional de Instrumentação Agropecuária (Siagro). Ele foi realizado de 14 a 16 de outubro no Laboratório de Referência Nacional em Agricultura de Precisão (Lanapre), no Campo Experimental em Automação Agropecuária da Embrapa Instrumentação, em São Carlos.

Equipe multidisciplinar

O desenvolvimento do LumiBot reúne profissionais de diferentes áreas do conhecimento. Tiago Santiago, pós-doutorando, é responsável pela análise de dados e pelo treinamento dos modelos de aprendizado de máquina. Bianca Barreto, engenheira agrônoma, iniciou as pesquisas durante seu pós-doutorado supervisionado por Débora Milori.

Foto: Wilson Aiello/Embrapa

A equipe conta ainda com Vinícius Rufino, graduando em engenharia física que atua na instrumentação e análise de dados. Também com Julieth Onofre, doutora em Física responsável pela instrumentação óptica. Gabriel Lupetti é graduando em biotecnologia, e que acompanha o desenvolvimento dos nematoides e a inoculação. E Kaique Pereira, biólogo responsável pela manutenção das plantas e contagem de nematoides.

Problema subestimado no agronegócio

A presidente da Sociedade Brasileira de Nematologia, Andressa Cristina Zamboni Machado, alerta que o problema dos nematoides pode ser ainda maior do que os números oficiais indicam. “O Brasil abriga diversas espécies de nematoides altamente agressivas, disseminadas amplamente por todas as regiões agrícolas e responsáveis por extensas perdas econômicas no agronegócio. Entretanto, esses organismos nem sempre são corretamente diagnosticados ou manejados, o que agrava ainda mais seus efeitos sobre a produção”, afirma.

Segundo ela, embora as perdas mais expressivas ocorram em culturas como soja e algodão, os patógenos já comprometem a produtividade de praticamente todas as lavouras do País, muitas vezes de forma ainda mais acentuada do que nas grandes culturas.

Com o potencial de melhorar a qualidade da fibra, garantir maior rentabilidade para os produtores e promover uma agricultura mais sustentável, o LumiBot representa um avanço significativo na luta contra um dos maiores desafios fitossanitários do agronegócio brasileiro.