Resumo da notícia
- Pesquisadores da Embrapa descobriram que cápsulas de alho vendidas em farmácias combatem parasitas que atacam alevinos de pirarucu, oferecendo uma solução natural para reduzir perdas e diminuir o uso de químicos na piscicultura.
- O estudo mostrou que doses baixas de alho reduziram em até 42,9% a infestação do verme das brânquias Dawestrema cycloancistrium, sem causar toxicidade nos peixes, protegendo cardumes inteiros contra a mortalidade causada por parasitas.
- Para os protozoários tricodinídeos, a eficácia chegou a 77% com 5 mg de alho por litro em quatro dias, comprovando que o tratamento com alho é eficiente e seguro para o bem-estar dos pirarucus em cultivo.
- A pesquisa, realizada em parceria com universidades e financiada pelo Sebrae, pode revolucionar a piscicultura brasileira ao oferecer um método acessível, sustentável e comprovado cientificamente para o controle de parasitas em peixes.
Pesquisadores da Embrapa Pesca e Aquicultura (TO) descobriram que cápsulas de alho (Allium sativum) vendidas em farmácias combatem com eficácia parasitas que atacam alevinos de pirarucu (Arapaima gigas). A solução natural e acessível pode reduzir perdas na produção, melhorar o bem-estar animal e diminuir o uso de produtos químicos no setor.
O estudo, publicado na revista científica Veterinary Parasitology, demonstrou que as cápsulas de alho reduziram significativamente a presença de dois inimigos comuns dos alevinos: os protozoários tricodinídeos e o verme das brânquias Dawestrema cycloancistrium. Esses parasitas causam mortalidade em larga escala nos criadouros de pirarucu, uma das espécies mais cultivadas no Brasil.
A pesquisadora Patricia Oliveira Maciel Honda, da Embrapa, coordenou a pesquisa em parceria com a Universidade Federal do Tocantins (UFT) e a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS). O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) financiou o projeto.
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Parasitas ameaçam criações e causam morte de cardumes inteiros
Os tricodinídeos são protozoários unicelulares, enquanto as monogeneas constituem um tipo de helminto conhecido como verme das brânquias. Ambos os parasitas infectam comumente as brânquias e o corpo de alevinos de pirarucu e podem levar cardumes inteiros à morte.

Os pesquisadores utilizaram diversas concentrações de alho no tratamento: 2,5 mg, 5 mg, 7,5 mg e 10 mg por litro. Eles expuseram os peixes durante quatro dias em banhos estáticos. No combate às monogeneas, as doses mais baixas promoveram uma redução de 33,5% a 42,9% sem causar nenhum tipo de toxicidade nos peixes.
“A intensidade de D. cycloancistrium nas brânquias apresentou redução significativa nos peixes tratados em comparação ao controle (animais que não receberam tratamento), mas não observamos diferenças entre as concentrações testadas, indicando que as menores doses são eficazes”, destaca a pesquisadora.
No caso dos tricodinídeos, o experimento alcançou uma eficácia de 77% para a dosagem de 5 mg/L em quatro dias de tratamento, com redução dos protozoários nas brânquias.
As cápsulas de alho de farmácia apresentam duas versões: 1.000 mg e 500 mg. A partir dessas apresentações, os pesquisadores testaram diferentes doses. “Colocamos, por exemplo, duas cápsulas de 1.000 mg e uma cápsula de 500 mg em um litro de água, e fomos medindo para obter as concentrações de teste. Dessa forma, chegamos à dose de 2,5 mg por litro”, detalha Maciel.
Metodologia comprova morte de parasitas sem afetar os peixes
Os pesquisadores deixaram os peixes naturalmente infectados em aquários com água e alho por 96 horas. Após esse período, a equipe coletou o sangue dos alevinos e raspou o muco dos animais para verificar os protozoários mortos. Os cientistas também verificaram as monogeneas presentes nas brânquias.
“Para quantificar os protozoários tricodinídeos no muco que morreram após a exposição ao alho, utilizamos um corante que penetra nas células mortas. Então, levamos a amostra de muco ao microscópio e contamos as células de coloração azul, indicadora da morte do organismo”, explica a cientista da Embrapa.
Os pesquisadores constataram que nas três maiores dosagens (5 mg/litro, 7,5 mg/litro e 10 mg/litro) uma quantidade maior de tricodinas morreu em comparação ao grupo controle. Para monogeneas, todas as concentrações utilizadas, desde a menor (2,5 mg/litro) até 10 mg/litro, provocaram uma redução significativa na carga de parasitos em relação ao grupo de controle.
“Não observamos mortalidade ou alterações comportamentais dos alevinos de pirarucu durante o experimento. Os resultados sugerem que o alho pode constituir uma alternativa fitoterápica promissora para o manejo de ectoparasitas na piscicultura, particularmente na concentração de 5,0 mg/L por quatro dias de exposição”, sublinha a pesquisadora. Ela conta que, embora o alho apresente efeito imunoestimulante, a equipe não identificou esse benefício nos peixes analisados.
Momento ideal para aplicar o tratamento
A pesquisadora lembra que os produtores não induzem a reprodução do pirarucu. Os alevinos são coletados em viveiros após a reprodução natural do casal, o que favorece que os alevinos carreguem parasitos – geralmente os ectoparasitos monogeneas, os tricodinídeos e os parasitos internos nematóides.
O momento ideal para aplicar o tratamento com alho ocorre durante o treinamento alimentar dos pirarucus, quando os produtores colocam os alevinos em caixas d’água ou estruturas similares para ensiná-los a comer ração. Nesse momento, os produtores devem observar se os peixes apresentam alguma sintomatologia ou sinal clínico da doença, tais como inapetência, flashing (comportamento de raspar-se nas laterais do tanque, como se coçasse), apatia ou isolamento do grupo.

As brânquias podem ficar pálidas porque o peixe desenvolve anemia. As monogeneas se alimentam de sangue e células epiteliais do hospedeiro. Os animais também podem apresentar melanose, um escurecimento da pele.
“Quando identificamos peixes nesse estado, o ideal é descartá-los e tratar o lote restante de modo profilático, porque quando o animal apresenta esses sinais clínicos, dificilmente tem cura”, alerta a pesquisadora.
Diagnóstico precoce aumenta chances de sucesso
É possível confirmar a presença dos parasitos em exames de microscópio ótico, e o ideal é realizar o diagnóstico precoce. Uma vez que os produtores identificam os parasitos, devem iniciar o tratamento com alho durante o treinamento alimentar.
Segundo a médica veterinária, outro momento adequado para realizar o tratamento com alho ocorre quando os produtores recolhem os alevinos dos viveiros para transportá-los. Geralmente os peixes vêm do viveiro com alguma carga parasitária. “Esse tipo de manejo geralmente estressa o peixe, diminuindo seu sistema imunológico. Nesse período de aclimatação e preparação para o transporte também seria indicado usar o alho de forma profilática”, diz ela.
“O óleo de alho demonstrou eficácia no controle desses parasitos, com destaque para a concentração de 5,0 mg/L, que também não induziu toxicidade significativa”, afirma. No entanto, os pesquisadores precisam conduzir mais estudos para compreender melhor seu uso a campo. Maciel defende mais pesquisas nessa área e maior disponibilidade de produtos aprovados para a aquicultura, com a respectiva avaliação de custos.
A Embrapa está aberta a parcerias com indústrias para desenvolver esse e outros fitoterápicos para a aquicultura. Empresas interessadas podem entrar em contato pelo e-mail: cnpasa.spat@embrapa.br.
Sal de cozinha também apresenta eficácia comprovada
Segundo Patrícia Maciel, embora nenhuma pesquisa específica tenha avaliado a eficácia do uso do sal e do alho conjuntamente no tratamento de parasitos na aquicultura, ela coordenou um estudo anterior publicado no Journal of Fish Diseases que comprovou a eficácia do cloreto de sódio no combate do parasita monogenea Dawestrema cycloancistrium no pirarucu.
A pesquisa contou com parceria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e financiamento do Sebrae.
Na ocasião, a equipe testou o sal e o triclorfon, um produto químico muito utilizado em pisciculturas. Os testes avaliaram banhos curtos e longos.
Os banhos longos duraram 24 horas de exposição, com 10 g de sal por litro. A equipe aplicou dois banhos com intervalo de 24 horas, totalizando três dias de tratamento.
Já nos banhos curtos, os peixes ficaram numa solução de 12 g de sal por litro durante quatro horas de banho, uma vez por dia durante quatro dias.
Os pesquisadores testaram o triclorfon com a mesma posologia, ou seja, mesma forma de administração, mudando apenas a dose para 5 mg do quimioterápico por litro.
“A nossa pesquisa constatou que a eficácia do sal atingiu 91% nos banhos curtos. Nos banhos longos alcançou 99%, porém ocorreu maior mortandade de peixes. Já para o triclorfon a eficácia foi de 84% para os banhos curtos e de 97% para os banhos longos, também com maior mortalidade”, explica ela. “Nós concluímos que o banho longo não é indicado para o peixe que está muito parasitado. Pois o animal está debilitado e não resiste ao tratamento”, conclui a pesquisadora.
Óleos essenciais amazônicos também combatem parasitas em tambaquis
O uso de fitoterápicos na aquicultura tem sido amplamente estudado como alternativa para o controle de ectoparasitas em peixes.
Pesquisa recente da Embrapa Amapá revelou que óleos essenciais extraídos de plantas amazônicas combatem com eficácia parasitas que atacam as brânquias (monogeneas) do tambaqui (Colossoma macropomum), espécie nativa mais cultivada no Brasil. A pesquisa aponta para uma alternativa natural ao uso de quimioterápicos, abrindo novas perspectivas para práticas mais sustentáveis na piscicultura brasileira.
O trabalho analisou óleos essenciais de três espécies do gênero Piper: P. callosum, P. hispidum e P. marginatum. Os dois primeiros apresentaram resultados positivos na redução da infestação por vermes monogeneas, responsáveis por comprometer a saúde dos peixes. Já o terceiro não demonstrou a mesma efetividade no tratamento.
O pesquisador Marcos Tavares Dias, da Embrapa Amapá, coordenou a investigação em colaboração com a Universidade Federal do Amapá (Unifap) e a Embrapa Amazônia Ocidental (AM). O estudo contou com financiamento do CNPq, por meio do Edital Universal.