Um estudo inédito realizado por cientistas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) pode representar um avanço significativo no tratamento da Doença de Parkinson. Liderada pela farmacêutica Ana Carolina Ruver Martins, doutora em farmacologia e pós-doutoranda na instituição, a pesquisa investigou os efeitos da associação entre dois compostos canabinóides – o THC (tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol) – nos sintomas motores e não motores da doença. Trata-se do primeiro ensaio clínico duplo-cego, randomizado e controlado por placebo com uma amostra significativa de pacientes e acompanhamento prolongado.
A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório Experimental de Doenças Neurodegenerativas (LEXDON), sob orientação do professor Rui Prediger, e se destaca por adotar um protocolo científico rigoroso. Ao todo, 68 pacientes participaram do estudo ao longo de seis meses. Eles foram divididos em dois grupos: um recebeu a combinação oral de THC e CBD, enquanto o outro utilizou placebo. O objetivo foi avaliar a eficácia e a segurança da combinação no tratamento de sintomas como rigidez muscular, tremores, distúrbios do sono, alterações cognitivas e dor crônica, característicos do Parkinson.
Metodologia e resultados: inovação científica com potencial terapêutico
A metodologia aplicada seguiu os padrões científicos internacionais, com randomização por software, controle por placebo e avaliação às cegas, evitando vieses e garantindo a confiabilidade dos resultados. A fórmula utilizada foi padronizada e administrada via oral, fator que diferencia o estudo de outras iniciativas internacionais que, em geral, utilizam extratos inalatórios ou não especificam a dosagem.

Os resultados preliminares indicaram melhora mais rápida nos sintomas motores dos pacientes tratados com canabinóides. Mulheres apresentaram respostas mais expressivas em termos de qualidade do sono, flexibilidade e gravidade da doença. Também foram observados níveis mais altos do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), o que reforça o potencial neuroprotetor da substância.
Segundo a pesquisadora, o objetivo foi suprir a escassez de ensaios clínicos controlados e fornecer dados robustos para a comunidade científica. “Queríamos construir uma base sólida de evidências que permita compreender melhor o papel terapêutico dos canabinóides na Doença de Parkinson e contribuir para futuras diretrizes clínicas”, explica Ana Ruver.
Impacto social e regulamentação
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 4 milhões de pessoas convivem com Parkinson no mundo. No Brasil, o número estimado é de 200 mil indivíduos. A condição neurodegenerativa compromete gradualmente os neurônios dopaminérgicos, resultando na diminuição dos níveis de dopamina, neurotransmissor essencial para o controle motor e outras funções cerebrais.
A pesquisa está alinhada às diretrizes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), especialmente às resoluções RDC 327/2019 e RDC 660, que regulam o uso medicinal da cannabis no Brasil. O estudo também segue as normas internacionais da Conferência Internacional de Harmonização e a Declaração de Helsinki, assegurando a conformidade ética e científica da investigação.
Segundo Ruver, os achados podem subsidiar futuras regulamentações, incentivar novos estudos e ampliar o acesso da população a tratamentos alternativos. “Se os resultados continuarem positivos, poderemos ter mais respaldo para incluir terapias com canabinóides no SUS, promovendo segurança e eficácia no uso medicinal da cannabis”, destaca.
Qualidade de vida: o relato de uma paciente
Entre os 68 participantes, a voluntária A.K. compartilhou os impactos positivos do tratamento. Diagnosticada com Parkinson em janeiro de 2023, ela relatava intensas dores musculares e dificuldade para dormir. “Após o ajuste da medicação, notei uma melhora significativa. A dor e a insônia diminuíram, e a adaptação ao tratamento foi rápida”, afirma. A paciente recomenda que mais estudos sejam conduzidos e acredita que o uso medicinal da cannabis, quando supervisionado, pode beneficiar muitos outros pacientes.
A UFSC estuda há quase duas décadas os mecanismos da Doença de Parkinson e seus tratamentos. Agora, o Laboratório Experimental de Doenças Neurodegenerativas expande suas investigações para outras condições neurológicas e crônicas, como Alzheimer, Transtorno do Espectro Autista (TEA), Fibromialgia e Esclerose Múltipla (EM).
A pesquisadora enfatiza que o estudo contribui para desmistificar o uso medicinal da cannabis. “Ainda há muito preconceito, mas quando olhamos para os benefícios documentados e para a segurança do uso clínico, percebemos o potencial que essa terapia pode oferecer”, afirma.
A expectativa é de que os resultados finais sejam publicados em revistas científicas internacionais e que a pesquisa sirva de referência para novos protocolos de tratamento e regulamentações mais abrangentes no Brasil e no exterior.
Mercado e tendências
Dados da empresa de inteligência de mercado Kaya Mind revelam que, em 2023, o SUS gastou cerca de R$ 80 milhões com medicamentos à base de cannabis. No total, cerca de 219 mil brasileiros utilizam esses produtos por meio de importação, farmácias ou associações. A estimativa é que o mercado brasileiro de cannabis medicinal tenha ultrapassado R$ 1 bilhão em 2024. E mais, ele pode movimentar até R$ 26 bilhões até 2027, caso haja regulamentação mais ampla para uso medicinal, industrial e outros fins.
Esse cenário promissor fortalece a importância de pesquisas como a conduzida pela UFSC, que colocam o Brasil na vanguarda científica sobre o uso de canabinóides no tratamento de doenças neurológicas e inflamatórias crônicas.
Potencial para agricultura nacional
O canabidiol (CBD), derivado da cannabis, está transformando não apenas a medicina, mas também a agricultura global. No Brasil, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) anunciou um ambicioso programa de 12 anos para desenvolver variedades de cannabis adaptadas ao clima tropical, visando impulsionar a produção nacional de forma sustentável. O projeto inclui a criação de um banco de sementes e o estudo de técnicas para integrar a planta em sistemas de rotação de culturas, além de explorar seu potencial para fixar carbono no solo.
A iniciativa, inspirada no sucesso histórico da Embrapa com a soja — que elevou o país ao topo da produção mundial —, já atrai parcerias de empresas nacionais e internacionais interessadas em aplicações farmacêuticas, alimentícias e industriais. Enquanto isso, nos EUA, pesquisas do Departamento de Agricultura (USDA) investigam o uso de resíduos lignocelulósicos do cânhamo (subproduto da extração de CBD) para produzir bioprodutos, como biocombustíveis e materiais de construção, reduzindo o desperdício na cadeia agrícola.
O cenário regulatório também avança. No Brasil, uma decisão judicial de 2024 permitiu o cultivo de cânhamo (com menos de 0,3% de THC) para fins medicinais. E assim, abrindo caminho para polos regionais de produção. Especialistas, como Kiara Cardoso, da DNA Soluções em Biotecnologia, preveem que a planta poderá abastecer indústrias têxteis, de papel e até de alimentos, seguindo o exemplo de países como China e França.
Porém, desafios persistem. A Anvisa ainda debate normas para cultivo em larga escala, enquanto o mercado global de CBD — projetado para atingir US$ 46,25 bilhões até 2034 — pressiona por inovações agrícolas que equilibrem demanda e sustentabilidade.
Aliança histórica posiciona América do Sul como polo de bioeconomia
Brasil, Uruguai e Argentina uniram forças através da ABICANN, CECAM (Uruguai) e INTA (Argentina) para criar um corredor produtivo-tecnológico sem precedentes. O objetivo, organizado em março é grande. Transformar a região em líder global de Cannabis Medicinal e Cânhamo Industrial até 2026. O setor tem projeção de injetar R$ 190 bilhões/ano na economia brasileira. Além de impactar setores como saúde, agricultura regenerativa e exportações para mais de 100 países.
Pilares estratégicos da cooperação
- Harmonização regulatória: alinhamento de legislações entre os países para facilitar exportações e atrair investimentos trilaterais.
- Transferência de tecnologia: expansão de centros de inovação brasileiros para Argentina e Uruguai, com foco em biotecnologias sustentáveis.
- Desenvolvimento genético: criação conjunta de variedades adaptadas ao clima sul-americano, envolvendo técnicos do INTA, ABICANN e CECAM.
- Certificação de sementes: implementação do modelo uruguaio – reconhecido como diferencial global – no Brasil e Argentina.
Lideranças destacam potencial transformador
Thiago Ermano, presidente da ABICANN, afirma: “Estamos testemunhando o nascimento de uma bioeconomia integrada, capaz de alavancar políticas públicas e destravar regulamentações engessadas”.

Ricardo Páez, da CECAM, concorda: “O Uruguai compartilhará expertise em cultivos em larga escala e processamento industrial – áreas onde somos referência regional”.
Gustavo Astuni, CEO da Litoral Hemp (Uruguai), acrescenta:“Nossa certificação de sementes é um divisor de águas. O desafio agora é replicar esse modelo com apoio tecnológico trinacional”.
Oportunidades para investidores e produtores
- Novos mercados: expansão para Europa, América do Norte e Ásia com produtos premium (fibras naturais, óleos medicinais e insumos veterinários).
- Infraestrutura compartilhada: criação de unidades de processamento e centros logísticos binacionais.
- Fomento à inovação: atração de Startups Deep Tech para desenvolver soluções em agricultura regenerativa e extração sustentável.
O movimento surge enquanto Europa e EUA enfrentam limitações produtivas. Com biodiversidade única e capacidade industrial escalável, a Tríplice Aliança pode suprir até 15% da demanda global por cânhamo até 2030, segundo projeções setoriais.
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