Em meio ao verde intenso da Amazônia, onde antes havia floresta secundária em recuperação, agora se estendem fileiras intermináveis de soja. O cenário se repete em várias regiões do Pará, estado que se tornou a nova fronteira agrícola do Brasil. Apesar do Acordo da Soja da Amazônia, pacto firmado em 2006 para conter o desmatamento, produtores encontraram uma brecha perigosa na legislação: o acordo só protege florestas primárias, aquelas nunca antes derrubadas, deixando de fora as áreas em regeneração.
Um relatório oficial recente mostra que a área de soja plantada em floresta primária quase triplicou desde 2018, alcançando 250 mil hectares. No entanto, pesquisas independentes revelam números muito mais alarmantes. Xiaopeng Song, professor da Universidade de Maryland, analisou dados de satélite e descobriu que cerca de 1,04 milhão de hectares de soja na Amazônia brasileira estão em terras desmatadas após 2008 – data limite estabelecida pelo acordo. A discrepância ocorre porque o monitoramento oficial ignora pequenos desmatamentos acumulados e focos em municípios com mais de 5 mil hectares de cultivo.
Transformação
Em Santarém, no oeste do Pará, a expansão da soja transformou radicalmente a paisagem. O terminal da Cargill, construído às margens do rio Amazonas, tornou-se um polo de atração para produtores que buscam reduzir custos de exportação. “Aqui temos condições de fazer até três safras por ano”, explica Edno Cortezia, presidente do sindicato rural local. Ele está referindo-se ao cultivo sucessivo de soja, milho e trigo na mesma área. Enquanto isso, comunidades próximas sofrem com os impactos. Raimundo Freitas, diretor de uma escola em Belterra, mostra registros de intoxicação por agrotóxicos em alunos e professores ocorridos no ano passado.
A pressão para flexibilizar o acordo vem crescendo. No final de abril, um ministro do STF autorizou o estado do Mato Grosso a retirar incentivos fiscais de empresas signatárias do pacto. André Nassar É presidente da Abiove, s associação que reúne as principais traders de grãos. E já sinalizou que o setor busca “um meio termo” entre manter e extinguir o acordo. Enquanto isso, a China, destino de dois terços da soja brasileira, continua comprando o grão rotulado como “livre de desmatamento”, mesmo com as evidentes falhas no sistema de monitoramento.
Cientistas alertam que a combinação de desmatamento e mudanças climáticas pode levar a Amazônia a um ponto de não retorno, quando começaria a se transformar irreversivelmente em savana. “O acordo evitou um desastre maior, mas está longe de ser suficiente”, afirma André Guimarães, do IPAM. Com a temporada de plantio se aproximando, a pergunta que fica é: até quando as brechas na legislação continuarão permitindo que a soja avance sobre o que resta da floresta?
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