A política de restrições a defensivos agrícolas na União Europeia (UE) está gerando debates acalorados entre especialistas do setor. Enquanto a UE defende critérios rigorosos para proteger saúde e meio ambiente, líderes do agronegócio alertam que a falta de aprovação de novas substâncias químicas desde 2019 pode comprometer a produtividade e a segurança alimentar no continente.
João Cardoso, diretor executivo da CropLife Portugal, destacou em entrevista ao Podcast Ascenza que, desde 2015, metade das substâncias químicas em revisão na UE foram banidas ou tiveram uso restrito, limitando ferramentas essenciais para os agricultores. “Estamos num paradigma em que há uma saída muito grande de substâncias ativas de base química e não há reposição com novas. Os agricultores começam a ter dificuldade em gerir resistências, novas pragas e doenças”, afirmou Cardoso.
Por que a UE não aprova novos químicos?
A União Europeia adota uma abordagem baseada no “princípio da precaução”, priorizando a avaliação de perigos em vez de riscos — ou seja, substâncias são proibidas se houver potencial de dano, independentemente da dose ou da exposição real. Críticos argumentam que esse método ignora evidências científicas sobre uso seguro.
“A avaliação de risco na Europa não casa com a realidade”, criticou Cardoso. “Somos o continente com mais exportações agroalimentares, mas, ao nível da produção agrícola, estamos claramente a ficar para trás.”
Biológicos ainda são minoria, mas ganham espaço
Dos 439 defensivos agrícolas disponíveis na UE, 347 são químicos, 67 biológicos e 25 bioquímicos. Porém, Cardoso ressalta que os biológicos carecem de diversidade: “Muitos são variantes da mesma bactéria”. Para ele, o futuro exige desenvolvimento de biológicos inovadores e manutenção dos químicos já aprovados.
Desenvolver um novo pesticida leva 12 anos e custa US$ 301 milhões, com 150 estudos de segurança, segundo dados citados no podcast. Paula Rebelo, gerente global de regulatórios da Ascenza, defende: “Temos que conservar os produtos já registrados”.
Davi Silva, gerente de marketing da Ascenza Portugal, vinculou a discussão à soberania europeia: “Para quem se preocupa com disponibilidade de alimentos, é preciso ter qualidade e preços acessíveis. No fim da linha, isso é fundamental”.Cardoso citou o arroz como exemplo: a falta de herbicidas aprovados deixa a cultura vulnerável. “Não podemos nos dar ao luxo de não ter substâncias para proteger o cultivo”, disse. Enquanto isso, dois terços dos produtos disponíveis na UE passarão por revisão até 2025 — um desafio para a Comissão Europeia, que enfrenta pressões por “critérios mais realistas”.
O outro lado: A defesa da UE
A UE justifica suas políticas com o compromisso com o Pacto Ecológico Europeu, que visa reduzir em 50% o uso de defensivos químicos até 2030. Autoridades argumentam que a prioridade é evitar contaminação de solos, água e alimentos, além de proteger biodiversidade. Para Bruxelas, a transição para biológicos e práticas sustentáveis é inevitável para cumprir metas climáticas.
Ouça a análise completa no Podcast Ascenza, com participação de João Cardoso, Davi Silva e Paula Rebelo.
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