O Brasil se tornou o único país das Américas preparado para enfrentar a murcha de Fusarium raça 4 tropical (R4T), considerada a mais grave doença mundial das bananeiras. A descoberta revolucionária veio de uma pesquisa da Embrapa realizada na Colômbia, que comprovou a resistência excepcional das cultivares BRS Princesa e BRS Platina a esse patógeno devastador.

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A murcha de Fusarium, causada pelo fungo Fusarium oxysporum f. sp. cubense (Foc), representa um dos maiores desafios fitossanitários da atualidade. Presente em 17 países da Ásia, África e Oceania, a doença provoca prejuízos bilionários ao contaminar colheitas e impor severas restrições às exportações.

Anteriormente conhecida como “mal-do-Panamá”, a raça 4 tropical ainda não chegou ao território brasileiro, mas sua presença nos países vizinhos – Colômbia (2019), Peru (2020) e Venezuela (2023) – mantém a bananicultura nacional em permanente estado de alerta.

“O fungo se dissemina através de solo contaminado, ferramentas, mudas infectadas e até plantas ornamentais”, explica o fitopatologista da Embrapa, Fernando Haddad, que lidera as pesquisas com Fusarium. A facilidade de propagação torna a ameaça ainda mais preocupante para produtores de todo o mundo.

Testes inovadores comprovam eficácia das variedades brasileiras

Os experimentos conduzidos pela Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária (AgroSavia) representaram um marco na luta contra o Fusarium. As variedades brasileiras foram testadas lado a lado com bananeiras Williams, cultivares do grupo Cavendish altamente suscetíveis à doença e que representam a variedade mais consumida globalmente.

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Planta infectada com a mancha de Fusarium R4T. Foto: Fernando Haddad/Embrapa

Os pesquisadores escolheram para os testes um local altamente representativo: a primeira fazenda da Colômbia onde identificaram a raça 4 tropical. Mónica Betancourt, pesquisadora sênior da AgroSavia e responsável pelo convênio, detalha o rigoroso processo: “Quando estavam maiores, a BRS Princesa e a BRS Platina foram para o campo, em área que já tinha a doença estabelecida.”

Resultados surpreendem comunidade científica

Após quatro ciclos de produção estabelecidos na Colômbia, os resultados foram impressionantes. Menos de 1% da BRS Princesa e da BRS Platina foi afetado pela doença. Para efeitos de comparação, índices entre 5% e 8% já significariam alto risco de contaminação.

“Por isso, consideramos que são resistentes”, destaca Betancourt. Os números representam uma eficácia de 99% na proteção contra a murcha de Fusarium.

Edson Perito Amorim, líder do Programa de Melhoramento Genético de Banana e Plátano da Embrapa, celebra o resultado: “Enviamos três híbridos comerciais desenvolvidos pelo programa. E eles foram 100% eficientes, sendo que um vai ser lançado em 2026.”

Vigilância reforçada protege território nacional

O Ministério da Agricultura intensificou as ações preventivas através do Programa Nacional de Prevenção e Vigilância de Pragas Quarentenárias Ausentes. Ricardo Hilman, gestor da Coordenação de Controle de Pragas, explica a estratégia: “Esse trabalho é realizado para dar tempo para a pesquisa produzir resultados. E eles chegaram.”

Bananeira Williams, infectada com a murcha de Fusarium R4T, ao lado da brasileira BRS Princesa saudável, à direita. Foto: Fernando Haddad/Embrapa

As ações incluem:

  • Vigilância em portos, aeroportos e fronteiras
  • Sistema de levantamento fitossanitário em possíveis áreas de ingresso
  • Treinamentos especializados para equipes técnicas
  • Análise de dados e inteligência sobre rotas de trânsito

Produtores celebram descoberta

Para Augusto Aranha, presidente da Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Abavar), a notícia representa esperança para o maior polo nacional de cultivo da fruta. “Ter variedades resistentes nos dá tranquilidade de saber que, plantando a BRS Princesa e a BRS Platina, nós poderemos produzir”, afirma.

A preocupação é justificada: a banana representa mais de 70% da economia local do Vale do Ribeira, com 30 mil hectares plantados. “A R4T é uma doença que poderia dizimar a bananicultura e causar um impacto enorme”, alerta Aranha.

Testes de mercado realizados em setembro de 2020 mostraram excelente aceitação da BRS Princesa pelos consumidores. “Poucos perceberam diferença entre ela e a original”, relata Aranha, da TropSabor, que hoje mantém 25 hectares de BRS Princesa e 20 de BRS Platina.

Na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), a maior rede de entrepostos do país, a variedade já conquistou espaço. “Ela aparece como banana Maçã, mas praticamente é tudo BRS Princesa”, confirma Gabriel Bitencourt, chefe da seção do Centro de Qualidade Hortigranjeira.

Parcerias internacionais ampliam pesquisas

Além da Colômbia, a Embrapa mantém colaboração com a Corporação Bananeira Nacional (Corbana), da Costa Rica, focando no desenvolvimento de variedades Cavendish resistentes. A parceria resultou em 25 novos híbridos, todos em avaliação quanto à qualidade e resistência.

“É possível que alguns desses híbridos desenvolvidos de Cavendish também possuam resistência a essa terrível doença”, projeta Amorim.

Com o lançamento programado de uma nova variedade para 2026 e os resultados promissores das pesquisas internacionais, o Brasil se posiciona como líder mundial no desenvolvimento de soluções contra a murcha de Fusarium. A descoberta não apenas protege a bananicultura nacional, mas oferece esperança para produtores de todo o mundo que enfrentam essa ameaça devastadora.

A pesquisa representa 40 anos de trabalho científico da Embrapa, combinando melhoramento genético tradicional, biotecnologia e estudos moleculares para desenvolver variedades que aliam resistência, produtividade e qualidade.