Plano emergencial contra podridão da uva resgata produção de Niágara em 7 cidades paulistas após epidemia devastadora
Foto: Rafael Mingoti/Embrapa

Uma colaboração estratégica entre Embrapa, órgãos estaduais e prefeituras paulistas conseguiu reverter uma das piores crises já enfrentadas pela viticultura do estado. O Plano Emergencial de Controle à Podridão Madura da Uva recuperou 95% da produção de uvas Niágara em propriedades do Circuito das Frutas, principal polo vitícola de São Paulo.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

Em 2024, a região foi assolada por uma epidemia da podridão da uva madura, causada pelo fungo Glomerella cingulata. A doença dizimou lavouras inteiras em Jundiaí, Louveira, Itatiba, Itupeva, Jarinu, Indaiatuba e Elias Fausto, com perdas chegando a 100% em algumas propriedades.

“A doença ainda persiste em alguns parreirais, mas com incidência bem menor”, explica Sérgio Mesquita Pompermaier, diretor do Departamento de Agronegócio da Prefeitura de Jundiaí.

O impacto foi tão severo que chegou a ameaçar eventos tradicionais como a Festa da Uva de Jundiaí.

Ciência e técnica como salvação

O plano selecionou 13 propriedades rurais para aplicação de protocolo científico desenvolvido pela Embrapa Uva e Vinho (RS) e Embrapa Territorial (SP). As propriedades que seguiram 100% das orientações técnicas alcançaram índices de recuperação de até 95%, enquanto outras obtiveram melhorias de até 70%.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

Lucas Garrido, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, identificou que a epidemia resultou de uma combinação fatal: temperaturas acima da média, umidade constante e presença de restos culturais contaminados. Porém, os prejuízos foram amplificados por falhas no manejo.

“Em alguns casos, o produto certo estava na propriedade, mas não foi utilizado. Ou foi aplicado de forma errada”, destaca Rafael Mingoti, analista da Embrapa Territorial e coordenador da iniciativa.

Do desespero ao sucesso: história de superação

Atalívio Rufino, produtor de Elias Fausto, exemplifica a transformação possível. Em 2024, perdeu quase toda a produção. Assim, ele foi obrigado a dispensar funcionários. Sua propriedade, selecionada para os experimentos da Embrapa, hoje colhe os frutos da mudança de manejo.

Cacho de videira de Niágara rosada com unidades apodrecidas. Foto: Rafael Mingoti/Embrapa

“Antes, retirávamos os galhos e cachos que apodreciam sem tanto zelo. Agora, estamos retirando, queimando ou descartando longe. Também regularizamos o equipamento e aumentamos o volume de calda”, relata o produtor.

Protocolo técnico baseado em evidências

O protocolo desenvolvido inclui práticas integradas de controle:

  • Eliminação rigorosa de restos culturais infectados
  • Aplicações preventivas durante dormência hibernal
  • Uso de fungicidas eficazes em estágios estratégicos (floração, grão-ervilha, pré-fechamento do cacho)
  • Alternância entre produtos sistêmicos e de contato
  • Ajuste e calibragem adequada de pulverizadores
  • Utilização de produtos biológicos na maturação final

Pesquisa avança para protocolo definitivo

Estudos conduzidos pelo Instituto Biológico estão identificando as espécies do fungo Colletotrichum presentes na região. A diversidade encontrada explica a variabilidade de resposta aos tratamentos e reforça a importância do diagnóstico preciso.

“Ainda não é possível afirmar se há resistência a algum fungicida, mas uma possível presença de múltiplas espécies reforça a importância de conhecer bem as causas do problema”, explica Mingoti.

Os dados coletados embasarão uma proposta submetida à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para desenvolvimento de sistema de aviso e protocolo consolidado de manejo integrado.

Capacitação técnica em setembro

Os resultados e recomendações serão apresentados em eventos técnicos nos dias 16 e 18 de setembro. O seminário ocorrerá na Associação Agrícola de Jundiaí (13h30-18h30), enquanto o Dia de Campo acontecerá no Sítio Dois Irmãos, em Elias Fausto (14h-17h).

Equipe da Embrapa e produtor durante acompanhamento de ensaios na propriedade de Atalívio Rufino – Foto: Atalívio Rufino/Embrapa

Apesar do sucesso, os especialistas alertam que não é momento para relaxar. “Não é hora de abaixar a guarda”, reforça Mingoti. “É essencial manter a vigilância, aplicar corretamente os defensivos e eliminar restos culturais. Só assim vamos consolidar os avanços obtidos.”

A recuperação da viticultura paulista demonstra como a parceria entre ciência e produtores pode superar desafios aparentemente impossíveis, garantindo a sustentabilidade de uma atividade econômica centenária e tradicional do estado.