Resumo da notícia
- A leucena, leguminosa introduzida no Brasil, foi considerada "árvore milagrosa" por sua rápida adaptação e uso na recuperação ambiental e alimentação de gado.
- Com alta rusticidade, tornou-se invasora agressiva, formando "desertos verdes" que eliminam a biodiversidade nativa em diversos biomas brasileiros.
- A planta libera mimosina, substância que inibe crescimento de outras espécies, e domina áreas com crescimento rápido e produção abundante de sementes.
- Leis municipais, como em Campo Grande, surgem para erradicar a leucena, proibindo seu plantio, comércio e transporte, impondo multas para conter seu avanço.
Ela chegou ao Brasil como uma promessa: crescia rápido, sobrevivia em solos pobres, alimentava o gado e ainda ajudava a recuperar áreas degradadas. A Leucena (Leucaena leucocephala), uma leguminosa arbórea nativa do México e da América Central, foi por década chamada de “árvore milagrosa”.
No entanto, o que era solução se transformou em problema. A mesma rusticidade que a tornou atraente a converteu em uma das espécies exóticas invasoras mais daninhas do mundo, capaz de formar “desertos verdes” e dizimar a biodiversidade nativa em vários biomas brasileiros.
A confirmação dessa transformação de herói para vilão ecológico não é apenas uma percepção isolada. Ela é atestada por estudos científicos, listas internacionais de espécies invasoras e uma onda recente de leis municipais que determinam sua erradicação e substituição por árvores nativas.
- Epagri desenvolve armadilha inovadora para combater caramujos em plantações de arroz
- Paraguaçu Paulista inaugura planta de biometano que pode gerar até 20 mil empregos
O percurso de uma invasora
A tabela abaixo resume a trajetória da leucena no Brasil, desde sua introdução até os esforços atuais para controlá-la:
Leia Também:
A ameaça ecológica na prática
A agressividade da leucena não é um exagero. Especialistas explicam que a planta age por meio de uma estratégia dupla e avassaladora.
- Efeito Alelopático: a leucena libera no solo uma substância química chamada mimosina, que age como um herbicida natural, inibindo a germinação e o crescimento de outras plantas ao seu redor. É uma forma de guerra química que elimina a concorrência.
- Dominação por monopólio: com crescimento extremamente rápido e uma capacidade prolífica de produzir sementes, a leucena rapidamente forma densos aglomerados onde apenas ela prospera. Essas formações são chamadas de “desertos verdes” ou “florestas mono-dominantes”. A paisagem parece verdejante, mas é ecologicamente pobre, composta por uma única espécie.
O impacto disso é profundo. Em Fernando de Noronha, a leucena, lá conhecida como linhaça, está presente em 60% das áreas com vegetação e é a planta mais comum do arquipélago. Pesquisas mostraram que onde ela ocorre, a riqueza de espécies nativas diminui em cerca de 70% . Esse fenômeno se repete no Cerrado, na Mata Atlântica e em restingas, ameaçando a fauna que depende das plantas nativas para alimento e abrigo.
O combate se organiza pelo Brasil
Diante da evidência dos fatos, a resposta de gestores públicos tem ganhado força. O ano de 2025 foi marcante para essa guinada política:
- Em Campo Grande (MS), a prefeitura sancionou uma lei que prevê a erradicação e substituição das leucenas na cidade. A legislação proíbe o plantio, comércio e transporte da espécie e estabelece multa de R$ 1.000 para quem descumpri-la .

- Em Sumaré (SP), a Câmara Municipal aprovou em setembro de 2025 um projeto de lei que reconhece a leucena como invasora e determina sua supressão em áreas públicas, com remoção gradual e substituição por nativas .
- Cidades como Sorocaba (SP) também discutem projetos de lei para simplificar a remoção da árvore, enquanto Florianópolis (SC) e Alto Paraíso (GO) já realizam ações pontuais de controle .
E o uso na alimentação?
A pergunta que fica é: ainda há espaço para o uso controlado da leucena, especialmente na alimentação animal, sua aplicação original? A busca por respostas revela um cenário de precaução.
Artigos especializados ainda reconhecem seu valor forrageiro, destacando sua tolerância à seca e capacidade de ser uma fonte de proteína para o gado em períodos de estiagem . No entanto, a própria engenheira florestal Silvia Ziller, fundadora do Instituto Hórus, faz um alerta: “Se ainda for necessário usar a leucena, que se faça o controle ao redor das áreas de cultivo para evitar sua dispersão. Mas a recomendação é clara: se não há necessidade real, não plante. Os impactos são sérios”.
Há, inclusive, registros de que as sementes da leucena são comestíveis para humanos. Sendo utilizadas na culinária mexicana tradicional, onde a planta é conhecida como guaje. No entanto, é crucial notar que esse uso culinário se refere a variedades específicas e não isenta a espécie dos riscos de se tornar invasora em outros ecossistemas.
A história da leucena no Brasil é um caso paradigmático de como boas intenções, sem uma avaliação ecológica de longo prazo, podem gerar graves desequilíbrios ambientais. A “árvore milagrosa” mostrou que seu milagre tinha um custo proibitivo para a biodiversidade nativa.
A posição da ciência e da gestão ambiental contemporânea é clara: não há mais espaço para o culto a essa espécie. O consenso, reforçado pelas recentes leis municipais, é de que o caminho agora é o controle, a erradicação onde possível e a substituição por espécies nativas diversas e adaptadas. O milagre, afinal, estava o tempo todo na resiliência dos ecossistemas originais do Brasil, que agora precisam de proteção contra essa invasora agressiva.