Resumo da notícia
- Pesquisadores da Embrapa Pecuária Sul desenvolvem a "ovelha do futuro", combinando melhor conformação, perda espontânea de lã, maior prolificidade e resistência à verminose para revolucionar a ovinocultura de corte no Brasil.
- O projeto já conta com animais que apresentam essas características, e está em fase de validação com produtores parceiros antes da expansão para rebanhos comerciais em larga escala.
- A seleção genética assistida pode duplicar a eficiência produtiva, reduzir emissões de gases de efeito estufa e diminuir o número de animais improdutivos, segundo pesquisadores da Embrapa.
- Produtores parceiros recebem reprodutores melhorados em comodato e acompanham rigorosamente o desempenho dos cordeiros para desenvolver a "ovelha do futuro" adaptada às suas necessidades e sistemas de produção.
Pesquisadores da Embrapa Pecuária Sul, no Rio Grande do Sul, desenvolvem a “ovelha do futuro”, um projeto ambicioso que promete transformar a ovinocultura de corte no Brasil. A iniciativa combina quatro características genéticas inovadoras em um único animal: melhor conformação e rendimento de carcaça, perda espontânea de lã, maior prolificidade e resistência à verminose.
O rebanho da Unidade já apresenta exemplares que reúnem essas características. Agora, os cientistas validam as melhorias genéticas com produtores parceiros antes de disponibilizar os animais para rebanhos comerciais em larga escala.
Tecnologia genética duplica eficiência produtiva
O pesquisador José Carlos Ferrugem explica que a seleção assistida pode duplicar a eficácia produtiva na ovinocultura de corte. “Criamos uma nova relação entre receitas e despesas, além de contribuir para a redução de emissões de gases de efeito estufa e diminuir o efetivo populacional improdutivo nos rebanhos”, afirma.
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A equipe identifica os genes responsáveis pela prolificidade e pela conformação de carcaça através do genótipo. Já as pesquisas para perda natural de lã e resistência às verminoses utilizam o fenótipo – a seleção acontece pela observação dos indivíduos que apresentam essas características no rebanho.
Produtores parceiros validam a genética inovadora
O projeto transfere reprodutores melhorados para produtores parceiros através de comodato. Os carneiros da Embrapa acasalam com as ovelhas de cria nas propriedades participantes. A meta inicial acompanha pelo menos 1.000 animais nascidos desses cruzamentos. Atualmente, dois produtores já integram a iniciativa.
Os produtores associados comprometem-se a realizar um acompanhamento zootécnico completo. Eles identificam os cordeiros com brincos e registram dados essenciais em cadernetas específicas: data do parto, mãe, sexo e peso ao nascer. Durante o desmame, a equipe avalia o escore de cobertura de lã, resistência à verminose, peso corporal e coleta amostras de sangue para obtenção de DNA.
“As duas primeiras progênies de todas as propriedades parceiras descendem de carneiros produzidos pela Embrapa Pecuária Sul. As demais também contarão com carneiros selecionados nos rebanhos associados”, ressalta Ferrugem.
Cada produtor cria sua própria “ovelha do futuro”
O pesquisador João Carlos de Oliveira destaca a flexibilidade do projeto. “Queremos que o próprio produtor desenvolva a sua ovelha do futuro, de acordo com seus objetivos e sistema de produção”, explica.

Um produtor que já cria ovinos de raças naturalmente deslanadas, por exemplo, não precisa da genética de perda de lã, mas pode incorporar as outras três características. O sistema permite que cada criador escolha as melhorias genéticas mais adequadas ao seu negócio.
Prolificidade aumenta rentabilidade sem ampliar rebanho
A Embrapa Pecuária Sul acumula mais de 20 anos de experiência no incremento da prolificidade em ovinos. O trabalho aumenta a possibilidade de nascimentos de dois ou mais cordeiros por ovelha parida, elevando a produtividade sem necessidade de mais matrizes.
A instituição introduziu inicialmente o gene Booroola, identificado em ovinos da raça Merino Australiano. “A partir da multiplicação dessa genética no rebanho da instituição em Bagé, repassamos para produtores. Hoje a genética está distribuída em rebanhos de diferentes raças criadas na região Sul”, afirma o pesquisador Carlos Hoff de Souza.
A prospecção entre produtores e o registro genealógico da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco) identificaram mais duas mutações genéticas: o gene Embrapa, encontrado inicialmente na raça Santa Inês, e o Vacaria, em ovinos da raça Ile de France.
Gene Bombacha aumenta peso e rendimento de carcaça
Os pesquisadores batizaram de Bombacha o gene que proporciona melhor conformidade e maior rendimento de carcaça. A equipe identificou inicialmente essa característica em ovinos Texel, raça criada para produção de carne.
O Bombacha relaciona-se com a conformação da parte traseira dos ovinos, gerando mais carne em cortes comercializados como o pernil. Souza projeta 9% de aumento no peso médio das carcaças – de 17 kg para 18,5 kg – e 5% de ganho no rendimento médio – de 40% para 42%.
“Com o incremento médio no peso e no rendimento da carcaça, o produtor recebe mais com as vendas dos cordeiros”, complementa o pesquisador. A Embrapa já introduziu o gene em outras raças do seu rebanho.
Perda natural de lã elimina custo de tosquia
A perda espontânea de lã representa outra inovação significativa do projeto. Os preços da lã ovina despencaram a partir dos anos 2000, exceto para lãs extrafinas de raças específicas. A pandemia acentuou essa queda. Atualmente, a comercialização de lã praticamente não rende nada para o produtor.
A redução do rebanho no Estado diminuiu a disponibilidade de mão de obra para o trabalho com ovinos. Os preços da tosquia anual tornaram-se um importante componente das despesas no sistema de produção, sem retorno econômico com a comercialização de lãs acima de 21 micra.
Oliveira aponta que o custo da tosquia na região de Bagé atualmente gira em torno de R$ 12 por ovelha ao ano. “Esse custo muitas vezes supera o preço pago pela lã produzida. Isso na região de Bagé, que possui uma longa tradição na ovinocultura. Em outras regiões, esse preço pode ser bem mais elevado”, pontua.
A introdução de animais que perdem a lã naturalmente possibilita uma redução de pelo menos 50% no número de animais tosquiados anualmente.
A equipe realizou a seleção dos reprodutores a partir do fenótipo – observação e seleção dos animais que manifestaram essa característica. O processo tornou-se possível depois do cruzamento de raças deslanadas, como a Santa Inês, com raças lanadas criadas na região Sul.
Resistência à verminose reduz perdas e medicação
O projeto também seleciona ovinos mais resistentes a verminoses que infectam os rebanhos. Os parasitas causam morte de animais, diminuição do desenvolvimento e do ganho de peso dos cordeiros, além de custos com vermífugos.
A pesquisadora Magda Benavides explica que a seleção mantém nos rebanhos animais que apresentam maior resistência natural e elimina aqueles mais suscetíveis aos parasitas. A Embrapa realiza esse processo tanto no seu rebanho quanto nos de produtores parceiros.
A equipe identifica os animais mais resistentes através do exame OPG (Ovos de Parasitos por Grama), realizado nas fezes dos ovinos. A metodologia avalia reprodutores quanto à suscetibilidade a infecções de helmintos através de pelo menos três exames de OPG entre o desmame e o acasalamento.
Conforme os resultados, os cientistas ranqueiam os animais e descartam 25% das fêmeas com valores de OPG mais elevados. Benavides informa que o trabalho inicialmente acontece com fêmeas, mas logo se estenderá para machos.
Meta reduz medicação em 50%
A pesquisadora destaca que a seleção visa reduzir em 50% o número de doses de medicação aplicadas anualmente nos rebanhos. “Historicamente, os produtores tratam os rebanhos com vermífugos pelo menos seis vezes ao longo do ano. Esperamos que as linhagens selecionadas recebam tratamento no máximo três vezes”, explica.
A redução proporciona menor custo com medicamentos pela metade, melhores condições de criação, menor contaminação ambiental e melhores condições de bem-estar animal e sanitárias.
O aumento do número de animais mais resistentes também reduz a contaminação parasitária das pastagens. A equipe descarta animais persistentemente infectados – aqueles que mantêm alto número de larvas infectantes na pastagem e perpetuam a presença dos parasitas no campo.
Outro benefício relaciona-se com a desaceleração da resistência dos parasitas aos princípios químicos dos vermífugos, consequência da menor aplicação dos medicamentos.