Resumo da notícia
- O aumento de 50% na tarifa de exportação para os EUA travou as vendas de açaí, forçando produtores a buscar novos mercados para evitar prejuízos e ameaçar milhares de empregos na Amazônia.
- A cooperativa Amazonbai cancelou exportações para os EUA e redirecionou parte da produção para Portugal e mercados internos, mas ainda enfrenta desafio pela forte dependência do mercado norte-americano.
- Negociações com empresas chinesas estão em andamento para diversificar destinos e reduzir a dependência dos EUA, com expectativa de iniciar vendas em três a quatro meses.
- O Pará, maior produtor nacional, projeta queda de até 20,1% nas exportações para os EUA, o que compromete a cadeia produtiva do açaí e ameaça cerca de 20 mil empregos na região.
O aumento de 50% na tarifa de exportação para os Estados Unidos, imposto pelo governo de Donald Trump em agosto de 2024, travou as vendas de açaí para o mercado norte-americano. Produtores e cooperativas agora correm contra o tempo para encontrar novos destinos e evitar prejuízos que ameaçam milhares de empregos na Amazônia.
A cooperativa Amazonbai, que reúne 161 ribeirinhos produtores de açaí do Amapá, cancelou o envio de polpa para os Estados Unidos. A decisão deixou 20 toneladas do produto paradas, sem destinação para venda.
“O cliente disse que não arcaria com o custo adicional. Para não perder a carga e ter um prejuízo maior, conseguimos enviar para outro cliente em Portugal”, relata Amiraldo Picanço, presidente da cooperativa.
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Segundo Picanço, a Amazonbai também encontrou alternativas no mercado interno, em Santa Catarina e Brasília. “Mas ainda é pouco. Os EUA compravam 60% da nossa produção”, afirma.
Cooperativas negociam com China e buscam reduzir dependência dos EUA
A estratégia da Amazonbai agora passa pela abertura de novos mercados internacionais. Com apoio da Secretaria de Relações Internacionais e Comércio Exterior do Amapá, a cooperativa já negocia com duas empresas da China.
“Esperamos que, daqui a três ou quatro meses, estejamos aptos para vender para lá. Não podemos ficar dependentes do mercado norte-americano”, diz Picanço.

Os produtores do Pará, que detém cerca de 95% da produção nacional de açaí, enfrentam a mesma situação. Alex Carvalho, presidente da Fiepa (Federação das Indústrias do Estado do Pará), projeta retração de até 20,1% no volume total exportado aos EUA, com 8% concentrados apenas no açaí.
Queda nas exportações ameaça 20 mil empregos na cadeia produtiva
Os Estados Unidos representam o principal destino das exportações de açaí do Pará, com mais de 75% do total exportado. De janeiro a junho de 2025, o valor enviado ao mercado norte-americano alcançou US$ 43,6 milhões, crescimento de 59,34% em relação ao mesmo período de 2024.
“Esse cenário compromete a competitividade do fruto, reduz a produtividade e ameaça milhares de empregos. Também atinge comunidades amazônicas que dependem da coleta, transporte e beneficiamento do açaí”, afirma Carvalho.
Para Nazareno Alves, presidente da Amaçaí (Associação de Produtores de Açaí da Amazônia) e proprietário do restaurante Point do Açaí, em Belém, exportar açaí para os Estados Unidos tornou-se inviável. “Os empresários estão buscando outros mercados porque a conta não fecha”, diz.
Alves ressalta que outros mercados “importam muito pouco em comparação com os EUA”.
Impacto atinge toda a cadeia: da coleta ao beneficiamento
O presidente da Fiepa destaca que o impacto não se restringe às indústrias exportadoras. A medida afeta toda a cadeia do açaí, desde a coleta até o beneficiamento, atingindo milhares de famílias amazônicas, incluindo agricultores familiares, cooperativas e ribeirinhos.
No auge da safra, a colheita de açaí pode movimentar de R$ 15 a R$ 20 milhões por dia, com cerca de 250 mil latas produzidas diariamente. Esse ciclo virtuoso de emprego e renda beneficia barqueiros, carregadores e trabalhadores da floresta.
“A retração nas exportações ameaça diretamente essa rede socioeconômica, pressionando para baixo os preços pagos ao produtor e comprometendo a renda de comunidades que têm no açaí uma das principais fontes de subsistência”, alerta Carvalho.
O açaí gera cerca de 5 mil postos de trabalho diretos e 15 mil indiretos, que podem ser comprometidos pela queda nas exportações. Sem contar os milhares de trabalhadores informais envolvidos nas etapas de coleta, transporte e beneficiamento do fruto na floresta.
Para Carvalho, a medida ameaça ainda o modelo de desenvolvimento sustentável da Amazônia, que combina geração de renda, inclusão produtiva e conservação da floresta.
Mercados alternativos crescem, mas ainda não compensam perda
Jhoy Gerald Silva, conhecido como Rochinha Jr., diretor de comunicação da Acpab (Associação da Cadeia Produtiva do Açaí de Belém), acredita que o tarifaço não afetará tanto os produtores e exportadores do fruto.
“Com o aumento da demanda interna e a pouca produção nas áreas ribeirinhas, devido às mudanças climáticas, de dois anos para cá, acho que o impacto será mínimo”, avalia.
Para ele, há uma sobrevalorização do mercado norte-americano. “Temos o Japão, a Europa, Portugal, Emirados Árabes Unidos. Além disso, com mais de 140 países vindo para a COP 30, que vão conhecer o açaí, a tendência é que novos mercados sejam criados”, argumenta.
Rochinha Jr. é parceiro comercial da empresa Maná Açaí, que exportava cerca de 2% de açaí congelado para os Estados Unidos. “A maior parte da nossa produção vai para outros estados do Brasil, cerca de 75%, além de 12% para Portugal e o resto para o mercado paraense”, detalha.
Ele também acredita que o programa anunciado em agosto pelo governo federal, de compra de açaí diretamente de produtores afetados pelo tarifaço, vai ajudar a aliviar os efeitos da interrupção da exportação para os EUA.
Austrália e Holanda registram crescimento explosivo nas importações
Dados da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap) revelam que mercados como Austrália e Holanda vêm exibindo crescimento expressivo no interesse pelo açaí amazônico.
Os Estados Unidos ainda lideram, com 58% do volume exportado. A Austrália responde por 15,6% do total, a Holanda aparece com 12,7% e o Japão com 11,2%.
De janeiro a agosto de 2025, a Austrália importou 2.111 toneladas, ante 1.493 toneladas no mesmo período de 2024 — aumento de 41%. A Holanda apresentou alta ainda maior, passando de 260 toneladas para 1.726 toneladas no primeiro semestre — crescimento de 565%. O Japão também registrou variação de 563%, pulando de 229 para 1.515 toneladas.
Na Austrália, o açaí tem sido consumido com toppings como granola, chocolate, frutas, Nutella, pistache e mel — bem diferente do hábito paraense. Holandeses relatam que, quando o produto chega ao mercado, o estoque esgota rapidamente, mesmo distribuído para vários supermercados.
China e Rússia entram na disputa pelo superfruit amazônico
Dados do Comex Stat mostram crescimento consistente das exportações de açaí para a China e Rússia no último ano. O volume movimentado ultrapassa toneladas mensais, sinalizando mudanças importantes na pauta exportadora brasileira.
Mercados asiáticos mostram apetite crescente por produtos funcionais. O açaí compete diretamente com outras superfrutas globais, como blueberry e mirtilo, mas ganha destaque pelo apelo sustentável e pela rica identidade cultural da Amazônia.
Transportar o açaí para longas distâncias exige rigor no controle de temperatura e um cronograma preciso desde o processamento até a entrega no destino final. Produtores investem em soluções inovadoras, como ultracongelamento e embalagens biodegradáveis, para preservar sabor e propriedades até o consumidor final.
Mudanças climáticas reduzem produção em até 90% em comunidades
Mudanças climáticas têm impacto direto na produção de açaí. Rochinha Jr. relata queda de cerca de 30% em relação ao ano passado. “O fruto está escasso. Os ribeirinhos estão perdendo muito devido à estiagem, porque não há irrigação, e porque não fazem o remanejo de terreno”, afirma.
Na comunidade de Itacoan Miri, no município paraense de Acará, o açaí sustenta cerca de 600 famílias, segundo o produtor quilombola Adelino Cardoso. Com a estiagem do ano passado, ele estima queda de 90% na produção do fruto. “Tive que fazer praticamente uma nova plantação, com um novo sistema de irrigação”, conta.
Nazareno Alves, da Amaçaí, também aponta os desafios trazidos pelas mudanças climáticas. “Para produzir bem o açaí, não pode ter nem muito sol nem muita chuva. Mas quando chega o inverno amazônico, são pancadas gigantes de água, o primeiro semestre todo. E no verão, é sol que não acaba mais”, explica.
Setor articula com governo federal alternativas ao mercado americano
Alex Carvalho, da Fiepa, diz que a instituição tem atuado de forma institucional e diplomática, articulando-se com o governo do Pará, o governo federal e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços para dialogar com autoridades norte-americanas e buscar alternativas que preservem a competitividade do açaí amazônico.
A federação analisa medidas de apoio, como linhas de financiamento específicas, seguro de crédito à exportação e incentivos à abertura de novos mercados.
“No entanto, a diversificação exige tempo, já que envolve barreiras sanitárias, certificações, custos logísticos e negociações contratuais. Ainda assim, trata-se de uma prioridade para reduzir a dependência de um único destino e fortalecer a resiliência da bioeconomia regional”, afirma.
O governo do Pará tem investido em modernização — da produção à logística — além de incentivar a certificação por Indicação Geográfica (IG) para valorizar o açaí paraense. Apesar do crescimento da exportação, 90% do açaí produzido permanece no Brasil.
A tendência é que produtos como mix de açaí (mistura com frutas, granola etc.) e polpa em pó ganhem espaço, pois diminuem custos de transporte e permitem explorar novos nichos de mercado.