Resumo da notícia
- O mercado global de biocontrole alcançou US$ 8,2 bilhões em 2023 e deve crescer para US$ 25,7 bilhões até 2030, com o Brasil liderando a expansão, que já abrange 58 milhões de hectares cultivados com bioprotetores.
- Bionematicidas dominam 47% da área tratada, superando bioinseticidas e biofungicidas, e substituem cada vez mais os nematicidas químicos em culturas como soja, milho e algodão.
- Fungos como Trichoderma e bactérias do gênero Bacillus são os principais agentes de biocontrole, atuando por parasitismo, antibiose e estímulo à resistência natural das plantas.
- Bioprotetores atuam protegendo as plantas sem agredir o meio ambiente, fortalecendo defesas naturais e evitando a eliminação direta dos patógenos, o que reforça seu potencial de expansão na agricultura brasileira.
O mercado global de bioprotetores movimentou US$ 8,2 bilhões em 2023 e deve atingir US$ 25,7 bilhões até 2030, segundo a consultoria Research and Markets. O Brasil lidera esse crescimento explosivo. A Kynitec revela que a área potencial tratada com agentes de biocontrole saltou de 35 milhões de hectares na safra 2021/2022 para 58 milhões em 2023/2024, um crescimento superior a 29% em cinco anos.
Os bionematicidas dominam 47% da área tratada, superando os bioinseticidas (36%) e biofungicidas (17%). Em culturas estratégicas como soja, milho e algodão, os bionematicidas já ultrapassam os produtos químicos convencionais. Já em 2015, esses produtos biológicos representavam apenas 6% do mercado nacional. Em 2022, atingiram 75%, enquanto os nematicidas químicos despencaram de 94% para 25%.
Apesar do avanço expressivo, os bioprotetores ainda ocupam apenas 4% do total de produtos fitossanitários que os agricultores utilizam no Brasil, o que revela um enorme potencial de expansão.
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Fungos e bactérias lideram controle biológico nas lavouras
Os agentes de biocontrole mais importantes e amplamente comercializados incluem fungos como Trichoderma spp., Beauveria bassiana, Metarhizium anisopliae, Isaria fumosorosea e Clonostachys rosea. As bactérias do gênero Bacillus — incluindo B. subtilis, B. amyloliquefaciens, B. licheniformis, B. methylotrophicus, B. velezensis e B. thuringiensis — também protagonizam essa revolução.
Esses organismos combatem patógenos do solo e da parte aérea através de diferentes modos de ação. O Trichoderma, por exemplo, age por parasitismo, competição, antibiose e estímulo à defesa natural da planta. As espécies de Bacillus se destacam pela capacidade de formar biofilmes, produzir metabólitos antimicrobianos e induzir resistência sistêmica nas culturas.
No Brasil, o Trichoderma responde por cerca de 17% da área tratada com bioprotetores e a Beauveria, por 16%. O grupo das espécies de Bacillus, no entanto, lidera com aproximadamente 25% da área protegida.
O que são bioprotetores e como funcionam na agricultura
Os bioprotetores ganham protagonismo como solução estratégica para o controle de doenças em plantas. Mais do que substituir agrotóxicos, esses produtos baseados em organismos vivos, como fungos, bactérias, vírus e até ácaros, atuam de forma inteligente. Eles protegem as culturas agrícolas sem agredir o meio ambiente, a saúde dos agricultores e dos consumidores.

Diferentemente dos chamados “fungicidas ou biofungicidas”, que pressupõem a morte do patógeno, os bioprotetores atuam por outros mecanismos: competição, parasitismo, antibiose e indução da resistência da planta. Por isso, especialistas defendem cada vez mais o termo “bioprotetor” como o mais apropriado para englobar os diversos tipos de ação desses organismos.
Em vez de eliminar o agente causador da doença, muitos bioprotetores fortalecem as defesas naturais da planta, competem por nutrientes e espaço, estabilizam o ambiente e previnem o surgimento de novos surtos.
Definição científica orienta uso sustentável
A definição mais aceita de controle biológico de doenças considera a redução das atividades determinantes da doença através da ação de organismos vivos, excluindo-se o homem. Esse controle pode ocorrer de forma natural, conservacionista, clássica (introdução de inimigos naturais) ou aumentativa (aplicação em larga escala).
Os bioprotetores incluem microrganismos avirulentos, plantas melhoradas geneticamente, organismos antagonistas de patógenos e até produtos naturais derivados desses seres vivos. Agricultores podem integrar seu uso a práticas culturais, criando ambientes mais favoráveis à planta e menos propícios à doença. Em muitos casos, os bioprotetores não “matam” o patógeno, mas interferem na sua reprodução ou impedem que ele cause danos à cultura.
Inovações tecnológicas ampliam fronteiras do biocontrole
Nos últimos anos, pesquisadores passaram a explorar agentes não tradicionais como bioprotetores. Os micovírus, vírus que infectam fungos e reduzem sua virulência, já atuam na China para controlar o crestamento do castanheiro.
Os bacteriófagos, vírus que atacam bactérias específicas sem afetar seres humanos ou animais, demonstram potencial para controlar doenças bacterianas em plantas. Ácaros predadores e micófagos, como Orthotydeus lambi e Ricoseius loxocheles, combatem o oídio da videira e a ferrugem do cafeeiro, respectivamente.
A criação desses organismos em laboratório e o desenvolvimento de formulações compatíveis com defensivos agrícolas representam desafios que cientistas precisam superar para ampliar seu uso comercial.
Desenvolvimento exige processo rigoroso de seleção
O desenvolvimento de um novo bioprotetor exige um processo rigoroso que envolve várias etapas: avaliação da cultura e da doença-alvo, isolamento de organismos antagonistas no ambiente de interesse (como o semiárido brasileiro), testes de eficácia em laboratório e campo, produção massal e formulação estável, além da integração ao sistema produtivo.
Essa abordagem permite selecionar agentes adaptados às condições locais e às necessidades específicas dos agricultores. O controle do mofo-branco da soja com Trichoderma e Bacillus ilustra a importância de integrar o bioprotetor ao manejo agrícola, incluindo culturas subsequentes.
Programa Bioinsumos impulsiona inovação no setor
O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) criou o Programa Bioinsumos em 2020 e desempenha papel fundamental na ampliação do uso de bioprotetores no país. O programa promove produtos e tecnologias de origem biológica que favorecem o crescimento das plantas, melhoram a saúde do solo e contribuem para a sustentabilidade dos sistemas agropecuários.
O decreto que criou o programa define bioinsumos como produtos ou tecnologias de origem vegetal, animal ou microbiana que interferem positivamente no crescimento e defesa das plantas. Agricultores podem utilizá-los na produção, armazenamento e beneficiamento de alimentos.
Desafios e oportunidades para consolidar liderança brasileira
Wagner Bettiol, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, reconhece os avanços, mas identifica desafios para consolidar o uso de bioprotetores no Brasil. As prioridades incluem:
- Desenvolver bioherbicidas para reduzir o uso de químicos no controle de plantas daninhas
- Ampliar a diversidade de microrganismos disponíveis comercialmente
- Produzir fungos em sistemas mais sustentáveis, como fermentação líquida
- Desenvolver produtos adaptados às mudanças climáticas que aumentem a eficiência do uso de nutrientes
- Abrir coleções microbianas públicas para empresas e pesquisadores desenvolverem novos produtos
- Investir em formação técnica e científica de profissionais da cadeia dos bioinsumos
“A substituição de agrotóxicos por bioprotetores não representa apenas uma tendência de mercado — constitui uma resposta à demanda por práticas agrícolas mais conscientes, seguras e resilientes. Ao proteger as plantas sem comprometer o meio ambiente, os bioprotetores restabelecem o equilíbrio dos agroecossistemas, reduzem a exposição de trabalhadores rurais a produtos tóxicos e oferecem alimentos mais seguros aos consumidores”, explica Bettiol.
“Com ciência, políticas públicas e inovação trabalhando em conjunto, o Brasil tem tudo para seguir como líder mundial no desenvolvimento e uso de bioprotetores. E, mais do que isso, tem a oportunidade de construir uma agricultura com menos veneno e mais vida”, conclui o pesquisador.