Resumo da notícia
- Monitoramentos inéditos no litoral paranaense identificam riscos críticos para espécies únicas, como golfinhos, onça-pintada e papagaio-de-cara-roxa, enquanto indicam estratégias eficazes para sua conservação.
- O MegaCoast-PR e o One Blue Health realizam análises integradas da megafauna marinha e da saúde dos ecossistemas, unindo fauna, ambiente e humanos para fortalecer a proteção ambiental.
- A região é reconhecida pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade, abrigando áreas Ramsar e a Grande Reserva Mata Atlântica, essenciais para a biodiversidade e rotas migratórias de espécies raras.
- O uso de DNA ambiental pelo MegaCoast permite monitoramento inovador da fauna marinha, detectando desde espécies até bactérias resistentes a antibióticos, alertando para riscos à saúde ambiental e humana.
O programa Biodiversidade Litoral do Paraná (BLP) financia projetos estratégicos que monitoram espécies terrestres e marinhas ameaçadas na região. As iniciativas fortalecem Unidades de Conservação e ampliam o conhecimento científico sobre a biodiversidade local.
O MegaCoast-PR, que a Associação MarBrasil coordena, acompanha a megafauna marinha, incluindo golfinhos, baleias, tartarugas, aves e tubarões. O projeto One Blue Health avalia a saúde dos ecossistemas através de análises integradas de fauna, ambiente e seres humanos. Em terra, o Monitora Serra do Mar observa grandes mamíferos e aves ameaçadas, como onça-pintada, anta, queixada, puma, veado, cateto, macuco, inhambus, urus e jacutinga, além de monitorar o ecossistema de Floresta Atlântica.
Região abriga patrimônio natural da humanidade
O litoral paranaense representa uma das regiões mais singulares do Brasil. A Unesco reconhece a área como Patrimônio Natural da Humanidade. O território abriga áreas Ramsar, sítios de relevância internacional para conservação de áreas úmidas, e integra a Grande Reserva Mata Atlântica — maior remanescente protegido do bioma no mundo, com quase 3 milhões de hectares de áreas naturais, florestas, manguezais e águas costeiras preservadas no Paraná, Santa Catarina e São Paulo.
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A região funciona como berçário, área de alimentação e rota migratória para espécies raras, endêmicas e ameaçadas.
“A região abriga espécies que só ocorrem aqui, como o papagaio-de-cara-roxa, uma ave endêmica do litoral norte do Paraná e sul de São Paulo. Também serve de rota para baleias-francas, golfinhos, tubarões-martelo, raias-manta e aves migratórias que vêm da Antártica e da Europa”, explica Camila Domit, pesquisadora do Laboratório de Ecologia e Conservação (LEC) da UFPR e da Associação MarBrasil, coordenadora do projeto MegaCoast-PR.
A Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) protege o papagaio-de-cara-roxa há mais de 20 anos e conseguiu reverter a tendência de desaparecimento da espécie.
DNA ambiental revoluciona monitoramento marinho
O projeto MegaCoast emprega DNA ambiental, metodologia inovadora que revoluciona o monitoramento de espécies marinhas. Os pesquisadores coletam amostras de água e identificam, por meio de fragmentos genéticos presentes no líquido, quais espécies de animais ou microrganismos circulam naquele ecossistema.
O método já detectou bactérias que sinalizam riscos não apenas para a fauna, mas também para a saúde humana.
“Detectamos bactérias com alta resistência a antibióticos, o que levanta questões sobre a relação entre saúde do ecossistema, da fauna e dos humanos. Golfinhos compartilham conosco a cadeia alimentar e funcionam como sentinelas da saúde ambiental. Quando eles adoecem, nós também ficamos vulneráveis”, afirma Camila Domit.
Rastreamento acústico conecta Paraná a rede nacional
O MegaCost-PR inova também com rastreamento acústico de animais marinhos, em parceria com o LEC/UFPR e o Projeto Meros do Brasil. A iniciativa conecta o Paraná a uma rede de telemetria que se estende do Norte ao Sul do país.

O sistema permite identificar áreas prioritárias para conservação e acompanhar trajetos de espécies migratórias ameaçadas, como peixes ósseos, tubarões, raias e tartarugas marinhas. Essas informações subsidiam políticas públicas brasileiras e convenções internacionais das quais o Brasil participa, como a Comissão de Espécies Migratórias (CMS).
Ciência cidadã aproxima comunidade da conservação
O projeto incentiva a participação popular no monitoramento. “Qualquer pessoa pode contribuir registrando avistagens de golfinhos, baleias e tartarugas em nosso site ou comunicando via perfil de mídia social @lecufpr. A ciência cidadã colabora com o monitoramento e aproxima comunidades pesqueiras e litorâneas do processo de construção do conhecimento regional da biodiversidade”, completa a pesquisadora.
O diálogo com comunidades tradicionais e pescadores artesanais locais também ajuda a mitigar conflitos pelo uso de áreas comuns entre espécies ameaçadas e atividades econômicas. “As mesmas áreas de alta produtividade pesqueira servem de alimentação para fauna marinha. Mapeamos essas sobreposições e construímos, junto com as comunidades, soluções que conciliem direitos e usos, integrando conservação, aspectos culturais e segurança alimentar”, explica Camila.
Grandes mamíferos desaparecem da Mata Atlântica
A floresta litorânea também emite sinais de alerta. O Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar, que reúne diferentes iniciativas voltadas à conservação de espécies-chave da Mata Atlântica, inclui o projeto Monitora Serra do Mar. O BLP apoia a iniciativa, que o IPeC – Instituto de Pesquisas Cananeia executa com o Instituto Manacá.
O projeto acompanha quatro espécies emblemáticas: onça-pintada, onça-parda, anta e queixada. Todas enfrentam ameaças na Mata Atlântica, sendo que três delas já aparecem classificadas como “criticamente ameaçadas” no Paraná.
“A anta praticamente desapareceu das florestas de terras baixas do litoral, e a onça-pintada mantém hoje uma população muito baixa, restrita a áreas remotas da Serra do Mar”, alerta Roberto Fusco, coordenador do projeto Monitora Serra do Mar.
Espécies funcionam como sentinelas ambientais
Especialistas consideram essas espécies como sentinelas ambientais. Por serem mais vulneráveis à caça e à perda de habitat, esses animais desaparecem primeiro, indicando assim a qualidade de conservação de uma floresta. Além disso, são espécies-guarda-chuva: sua proteção garante a conservação de diversos outros organismos e do próprio habitat.
Apesar do cenário crítico, Fusco vê sinais de esperança. “Em áreas com fiscalização intensiva, identificamos indícios de recuperação. Esses dados nos permitem recomendar regiões estratégicas para reforço populacional, com solturas de antas e queixadas. No caso da onça-pintada, os desafios logísticos e genéticos são maiores, mas não descartamos essa possibilidade”.
Plataforma SMART digitaliza monitoramento
As novas ferramentas de monitoramento formam parte central da estratégia de conservação que o BLP apoia. Uma delas é o SMART (Spatial Monitoring and Reporting Tools), plataforma que dezenas de países usam e que digitaliza e padroniza dados de campo. O sistema permite que patrulhas registrem em tempo real desde avistamentos de fauna até atividades ilícitas como caça e extração de palmito.

No Paraná, essa tecnologia se integrou ao Programa Monitora, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), iniciativa nacional que coleta e analisa informações sobre biodiversidade em UCs de todo o país. Em parceria com o Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar, gestores de UCs da região receberam treinamento para aplicar o SMART, utilizar armadilhas fotográficas e sistematizar dados na produção de indicadores sobre médios e grandes mamíferos ameaçados de extinção e alvos de caça ilegal.
Comunidades locais reforçam fiscalização
Essa integração fortaleceu a fiscalização e o manejo da biodiversidade e abriu espaço para o engajamento da sociedade. “Ao capacitar comunidades locais para usar essas ferramentas, consolidamos Agentes de Monitoramento que reforçam a fiscalização, ampliam a intolerância à caça ilegal e ainda geram renda”, explica Roberto Fusco.
Para Camila Domit, o diálogo que nasce a partir desses resultados também é político. “Os dados do projeto devem orientar gestores públicos, empreendedores e órgãos licenciadores. Trata-se de qualificar as metodologias de monitoramento, reduzir custos e, sobretudo, harmonizar os diferentes usos do território sem perder de vista a vida que depende dele”.
Programa transforma passivo ambiental em investimento
O Programa Biodiversidade Litoral do Paraná surgiu em 2021 e promove conservação, pesquisa e uso responsável dos recursos naturais, fortalecendo Unidades de Conservação e impulsionando o desenvolvimento sustentável do litoral paranaense.
O Termo de Acordo Judicial (TAJ), firmado após o vazamento de óleo ocorrido em 2001, financia o Programa. A iniciativa transformou um passivo ambiental em investimento histórico em conservação: mais de R$ 110 milhões destinados a iniciativas estratégicas ao longo de dez anos.