Raça indiana quase extinta renasce no deserto do Rajastão e encanta o mundo com orelhas em forma de coração, símbolo de lealdade e resistência

No deserto do Rajastão, na Índia, o ar tem cheiro de poeira e eternidade. O vento canta nas dunas e, de longe, o som dos cascos chega antes da imagem. Surge, então, um cavalo de perfil esguio, crina ao vento, olhar firme: o Marwari, herdeiro de reis e lendas.

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Ele é mais do que um animal. É um traço de história viva que ainda respira entre os templos e os palácios esquecidos da Índia. Quando levanta a cabeça, algo mágico acontece: suas orelhas se curvam para dentro até quase se tocar, formando um coração. Um coração de carne, osso e poeira, feito à imagem da terra que o criou.

O deserto como berço

O Marwari nasceu sob o sol impiedoso do deserto do Thar, onde as sombras são curtas e as distâncias longas. Por séculos, foi o companheiro dos guerreiros rajput, cavalos e homens que lutavam lado a lado.

Reprodução: Horse & Country TV

Conta-se que, quando o guerreiro caía, o cavalo voltava sozinho para casa, um gesto de lealdade tão puro que virou mito. Talvez seja por isso que, até hoje, os criadores falem desses animais com devoção. Para eles, o Marwari é um deus em forma de cavalo, guardião das rotas que cruzam o vazio.

As orelhas que escutam o vento

As orelhas do Marwari são seu segredo e sua assinatura. Longas, curvas, desenhadas como dois parênteses que se abraçam, elas parecem ouvir mais do que o som: captam o silêncio entre as notas.

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A Universidade Estadual de Oklahoma, em seu registro da raça, descreve o detalhe que fascina o mundo: “As orelhas de tamanho médio curvam-se para dentro nas pontas e frequentemente se tocam. Elas podem girar até 180 graus”.

A ciência explica com frieza: a curvatura ajudaria a detectar ruídos distantes, vitais no deserto. Mas os camponeses de Marwar preferem acreditar que é o formato do amor, a marca da fidelidade que o cavalo leva gravada no corpo.

Quando o vento sopra, as orelhas se tocam e emitem um leve “tchic tchic”, como se o deserto cochichasse histórias antigas.

O exílio e o retorno

Durante o domínio britânico, o Marwari quase desapareceu. Naquele tempo, chamaram-no de exótico demais, rebelde demais, indiano demais. Enquanto isso, os ingleses preferiam cavalos europeus, de temperamento controlado. Afinal, o Marwari era puro instinto.

Foto: Fei.org

Por pouco, a raça não virou lenda extinta. No entanto, um punhado de criadores decidiu resgatá-lo da poeira do esquecimento. Com paciência e devoção, criaram registros, preservaram linhagens e convenceram o governo a protegê-lo. Graças a esse esforço, o cavalo que quase se perdeu na história renasceu entre as dunas e voltou a ser símbolo de orgulho nacional. Hoje, a All India Marwari Horse Society mantém o padrão da raça, e o animal voltou às feiras, aos casamentos e às telas de Bollywood.

O coração que não se rende

De perto, o Marwari parece saber que carrega um símbolo. Seus olhos escuros têm algo de antigo, uma mistura de bravura e melancolia. Quando caminha, é como se o chão se curvasse em respeito.

Nos festivais do Rajastão, ele surge adornado de sinos, tecidos bordados e flores. Cada passo é um compasso de tambor, cada movimento, uma lembrança de que a beleza também pode nascer do deserto.

Há quem diga que o formato das orelhas é uma mensagem: duas metades que se encontram para formar um coração que escuta o mundo. Talvez seja exagero, talvez poesia. Mas quem já viu um Marwari de perto jura que, por um instante, o vento realmente para.