Pesquisadores identificam espécie de cigarrinha que resistia a inseticidas desde os anos 1960
Foto: Andressa Paladini/UFPR

Uma descoberta científica promete explicar por que produtores de cana-de-açúcar enfrentavam dificuldades no controle de pragas mesmo com o uso de inseticidas eficazes. Pesquisadores brasileiros identificaram uma nova espécie de cigarrinha-da-cana, a Mahanarva diakantha, que especialistas confundiam com outras espécies desde a década de 1960.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

A identificação começou em 2015, quando o professor Gervásio Silva Carvalho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), recebeu exemplares de cigarrinhas-da-cana de diferentes plantações do Sul e Sudeste. Os produtores relatavam que um inseticida amplamente utilizado não produzia os resultados esperados no combate à praga.

Carvalho analisou as características físicas dos insetos enquanto, paralelamente, o professor Diogo Cavalcanti Cabral-de-Mello, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp) em Rio Claro, recebia exemplares similares para análise genética. Nenhum dos pesquisadores sabia do trabalho do outro.

“Especialista em citogenética e genômica, Cabral-de-Mello identificou diferenças que sugeriam uma nova espécie, mas precisava das evidências morfológicas para confirmar a descoberta”, explica Andressa Paladini, primeira autora do estudo e atualmente professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Parceria revela espécie escondida por décadas

Quando os cientistas descobriram que trabalhavam no mesmo problema, uniram esforços e ampliaram a análise para exemplares de grande parte do Brasil. A FAPESP apoiou o estudo, que os pesquisadores publicaram no Bulletin of Entomological Research.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

A equipe isolou uma sequência específica do DNA mitocondrial, conhecida pela sigla COI (citocromo C oxidase), que varia entre espécies e permite diferenciá-las. No entanto, a diferença era mínima.

“Não poderíamos descrever a nova espécie apenas com a evidência genética, pois a diferença era muito pequena. Precisávamos da confirmação morfológica”, afirma Cabral-de-Mello.

Os pesquisadores descobriram que apenas os machos apresentam uma característica distintiva visível: a extremidade bifurcada de parte da genitália. Essa peculiaridade inspirou o nome científico M. diakantha, que significa “dois espinhos” em grego.

Espécie críptica desafia identificação visual

A nova espécie é impossível de diferenciar a olho nu da Mahanarva fimbriolata e da Mahanarva spectabilis, suas parentes mais próximas. As três espécies compartilham áreas de ocorrência no Sul e Sudeste do Brasil, o que complica ainda mais a identificação.

Para eliminar dúvidas, os cientistas aplicaram um terceiro método de diferenciação: a morfometria geométrica. A técnica compara a forma das asas posteriores das três espécies e revelou diferenças estatísticas significativas entre elas.

“Tudo indica que as espécies se diferenciaram recentemente. As análises genéticas e morfológicas evidenciam isso claramente”, destaca Cabral-de-Mello.

A identificação da M. diakantha torna necessária a reavaliação de estudos científicos anteriores sobre cigarrinhas-da-cana. Ao examinarem coleções biológicas, os pesquisadores encontraram exemplares da nova espécie coletados há décadas, mas identificados erroneamente como outras espécies. Um deles data de 1961 e trazia a identificação de M. fimbriolata.

“Esse gênero de cigarrinha-da-cana tem espécies muito parecidas entre si, que chamamos de crípticas. Após dissecar os insetos, vimos que alguns tinham a genitália do macho diferente, o que indicava uma nova espécie”, relata Paladini, que realizava pós-doutorado sob supervisão de Carvalho na PUC-RS quando iniciou a pesquisa.

Próximos passos incluem mapeamento e estratégias de controle

Os pesquisadores planejam aumentar a amostragem para verificar com mais precisão a distribuição da nova espécie no país e seu impacto nas lavouras. Outra prioridade é compreender melhor a diversidade genética da M. diakantha, conhecimento fundamental para desenvolver estratégias de manejo mais eficazes.

A descoberta pode explicar por que alguns inseticidas não funcionavam conforme esperado: a nova espécie possivelmente apresenta maior resistência aos produtos mais utilizados. Além disso, ela pode ter um ciclo de vida diferente e outras interações com o ambiente e hospedeiros, informações essenciais para o controle adequado e para aumentar a produtividade da cana-de-açúcar.

“Agora que descrevemos a nova espécie, abrimos uma gama de novas possibilidades de pesquisa e aplicação prática”, conclui Paladini.

A FAPESP apoiou o estudo por meio de dois projetos coordenados por Cabral-de-Mello: “Investigando a evolução de DNAs satélites em cromossomos holocêntricos de insetos-praga” e “Estrutura e evolução de DNAs repetitivos em espécies de Lepidoptera e sua relação com diversificação cariotípica e dos cromossomos sexuais”.