Resumo da notícia
- Pesquisadores brasileiros identificaram uma nova espécie de cigarrinha-da-cana, Mahanarva diakantha, que desde a década de 1960 era confundida com outras, dificultando o controle eficiente de pragas na cana-de-açúcar.
- A descoberta ocorreu a partir da análise conjunta de características morfológicas e genéticas, com destaque para a genitália bifurcada dos machos, que permitiu diferenciar a nova espécie das similares.
- A pesquisa utilizou técnicas avançadas, como análise de DNA mitocondrial e morfometria geométrica das asas, comprovando diferenças sutis, mas significativas, entre as espécies próximas no Sul e Sudeste do Brasil.
- A identificação correta da espécie ajuda a entender a resistência ao inseticida e pode aprimorar o manejo das pragas, beneficiando produtores de cana e a agricultura brasileira.
Uma descoberta científica promete explicar por que produtores de cana-de-açúcar enfrentavam dificuldades no controle de pragas mesmo com o uso de inseticidas eficazes. Pesquisadores brasileiros identificaram uma nova espécie de cigarrinha-da-cana, a Mahanarva diakantha, que especialistas confundiam com outras espécies desde a década de 1960.
A identificação começou em 2015, quando o professor Gervásio Silva Carvalho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), recebeu exemplares de cigarrinhas-da-cana de diferentes plantações do Sul e Sudeste. Os produtores relatavam que um inseticida amplamente utilizado não produzia os resultados esperados no combate à praga.
Carvalho analisou as características físicas dos insetos enquanto, paralelamente, o professor Diogo Cavalcanti Cabral-de-Mello, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp) em Rio Claro, recebia exemplares similares para análise genética. Nenhum dos pesquisadores sabia do trabalho do outro.
“Especialista em citogenética e genômica, Cabral-de-Mello identificou diferenças que sugeriam uma nova espécie, mas precisava das evidências morfológicas para confirmar a descoberta”, explica Andressa Paladini, primeira autora do estudo e atualmente professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Parceria revela espécie escondida por décadas
Quando os cientistas descobriram que trabalhavam no mesmo problema, uniram esforços e ampliaram a análise para exemplares de grande parte do Brasil. A FAPESP apoiou o estudo, que os pesquisadores publicaram no Bulletin of Entomological Research.
A equipe isolou uma sequência específica do DNA mitocondrial, conhecida pela sigla COI (citocromo C oxidase), que varia entre espécies e permite diferenciá-las. No entanto, a diferença era mínima.
“Não poderíamos descrever a nova espécie apenas com a evidência genética, pois a diferença era muito pequena. Precisávamos da confirmação morfológica”, afirma Cabral-de-Mello.
Os pesquisadores descobriram que apenas os machos apresentam uma característica distintiva visível: a extremidade bifurcada de parte da genitália. Essa peculiaridade inspirou o nome científico M. diakantha, que significa “dois espinhos” em grego.
Espécie críptica desafia identificação visual
A nova espécie é impossível de diferenciar a olho nu da Mahanarva fimbriolata e da Mahanarva spectabilis, suas parentes mais próximas. As três espécies compartilham áreas de ocorrência no Sul e Sudeste do Brasil, o que complica ainda mais a identificação.
Para eliminar dúvidas, os cientistas aplicaram um terceiro método de diferenciação: a morfometria geométrica. A técnica compara a forma das asas posteriores das três espécies e revelou diferenças estatísticas significativas entre elas.
“Tudo indica que as espécies se diferenciaram recentemente. As análises genéticas e morfológicas evidenciam isso claramente”, destaca Cabral-de-Mello.
A identificação da M. diakantha torna necessária a reavaliação de estudos científicos anteriores sobre cigarrinhas-da-cana. Ao examinarem coleções biológicas, os pesquisadores encontraram exemplares da nova espécie coletados há décadas, mas identificados erroneamente como outras espécies. Um deles data de 1961 e trazia a identificação de M. fimbriolata.
“Esse gênero de cigarrinha-da-cana tem espécies muito parecidas entre si, que chamamos de crípticas. Após dissecar os insetos, vimos que alguns tinham a genitália do macho diferente, o que indicava uma nova espécie”, relata Paladini, que realizava pós-doutorado sob supervisão de Carvalho na PUC-RS quando iniciou a pesquisa.
Próximos passos incluem mapeamento e estratégias de controle
Os pesquisadores planejam aumentar a amostragem para verificar com mais precisão a distribuição da nova espécie no país e seu impacto nas lavouras. Outra prioridade é compreender melhor a diversidade genética da M. diakantha, conhecimento fundamental para desenvolver estratégias de manejo mais eficazes.
A descoberta pode explicar por que alguns inseticidas não funcionavam conforme esperado: a nova espécie possivelmente apresenta maior resistência aos produtos mais utilizados. Além disso, ela pode ter um ciclo de vida diferente e outras interações com o ambiente e hospedeiros, informações essenciais para o controle adequado e para aumentar a produtividade da cana-de-açúcar.
“Agora que descrevemos a nova espécie, abrimos uma gama de novas possibilidades de pesquisa e aplicação prática”, conclui Paladini.
A FAPESP apoiou o estudo por meio de dois projetos coordenados por Cabral-de-Mello: “Investigando a evolução de DNAs satélites em cromossomos holocêntricos de insetos-praga” e “Estrutura e evolução de DNAs repetitivos em espécies de Lepidoptera e sua relação com diversificação cariotípica e dos cromossomos sexuais”.