Estudo da Unesp revela como aquecimento global e destruição de mata nativa impulsionaram surto que já contaminou mais de 11 mil brasileiros
Foto: Ademildo Mendes/SVSA

O Brasil enfrenta um surto sem precedentes de febre Oropouche. A doença, que até 2023 estava restrita à região amazônica, avançou para 22 das 27 unidades federativas do país, alarmando autoridades sanitárias e cientistas. Em 2024, foram registrados 13,8 mil casos confirmados no território nacional, 45% deles concentrados no Espírito Santo, que lidera o ranking com 6,3 mil infectados.

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Os números de 2025 mostram que o vírus mantém ritmo acelerado de contágio. Dados da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) apontam 12,7 mil casos confirmados nas Américas até agosto, sendo 11,8 mil apenas no Brasil. O Ministério da Saúde contabiliza 11.930 infectados até 30 de outubro, com cinco mortes confirmadas e duas sob investigação.

São Paulo registra crescimento explosivo de casos

No estado de São Paulo, o avanço da febre Oropouche impressiona: de apenas 8 casos em 2024, o número saltou para 161 até setembro de 2025, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. O crescimento de mais de 2.000% acende o alerta sobre a necessidade de vigilância epidemiológica reforçada.

Um estudo publicado na revista científica PLOS One em julho identifica os principais fatores por trás da expansão geográfica do vírus Orthobunyavirus oropoucheense (OROV). Pesquisadores da Unesp, USP e Instituto Butantan descobriram que temperaturas elevadas e índices de precipitação acima da média criam condições ideais para a reprodução do mosquito-pólvora (Culicoides paraensis), vetor da doença.

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O fenômeno El Niño, ocorrido entre 2023 e 2024, combinado ao aquecimento global, intensificou as chuvas e o calor em regiões antes menos afetadas, facilitando a proliferação do inseto transmissor.

Desmatamento reduz predadores naturais do mosquito-pólvora

Tiago Salomão, pós-doutorando da Unesp e autor do estudo, explica que o desmatamento para criação de pastagens e monoculturas diminui a biodiversidade, eliminando predadores e competidores naturais dos maruins.

“Em biomas preservados, há mais concorrência com outros insetos e os Culicoides não conseguem se multiplicar no mesmo ritmo”, afirma o pesquisador, que investiga a relação entre mudanças climáticas e doenças epidêmicas.

A pesquisa revela ainda que cultivos de banana, dendê e algodão favorecem a subsistência das larvas do mosquito, devido ao acúmulo de matéria orgânica em decomposição no solo.

O estudo identifica que regiões periurbanas — de transição entre campo e cidade — são mais afetadas que ambientes exclusivamente rurais ou urbanos. Indicadores socioeconômicos desfavoráveis também se associam a maior incidência de casos, destacando a dimensão social da epidemia.

Nova variante pode ser 100 vezes mais transmissível

Além dos fatores ambientais, evidências laboratoriais sugerem que uma mutação genética recente aumentou significativamente a transmissibilidade do vírus OROV. Experimentos com células de mamíferos mostram que a cepa atual atinge concentrações até cem vezes superiores à versão comum.

Essa variante pode ainda driblar a memória imunológica de pessoas previamente infectadas, tornando-as vulneráveis a uma nova contaminação — um cenário que preocupa infectologistas e epidemiologistas.

No contexto das Américas, o Brasil concentra 93% dos casos de febre Oropouche registrados em 2025. Panamá aparece em segundo lugar com 501 casos, seguido pelo Peru com 330 infecções.

A expansão geográfica sem precedentes da doença demanda vigilância intensificada, investimento em pesquisa científica e ações de preservação ambiental para conter novos surtos.