Foto: divulgação - Embrapa/Sérgio Miana de Faria

Pesquisadores da Embrapa Agrobiologia (RJ) desenvolveram um bioinsumo de amplo espectro capaz de beneficiar mais de 30 espécies florestais leguminosas. Em geral, o produto promete revolucionar a recuperação de solos degradados e impulsionar o mercado de bioinsumos no País.

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O inoculante amplia o uso de uma técnica reconhecida desde os anos 1990, baseada em microrganismos que regeneram solos afetados por mineração, erosão ou ocupação urbana desordenada. O produto está em fase final de desenvolvimento e deve simplificar projetos de restauração ecológica em todos os biomas brasileiros.

Pesquisa seleciona bactérias que beneficiam 31 espécies florestais

Entre mais de 800 estirpes de rizóbios (bactérias do solo) estudadas pela Embrapa, duas foram selecionadas pela eficiência em simbiose com 31 espécies florestais. Em resumo, essa descoberta elimina uma das maiores barreiras à aplicação em larga escala da técnica: a especificidade entre bactéria e planta hospedeira.
“Essas estirpes eliminam a limitação técnica e tornam o processo mais acessível”, explica Sérgio Faria, pesquisador da Embrapa Agrobiologia. O inoculante multiespécies permitirá atender várias leguminosas nativas e comerciais, ampliando as opções para viveiristas e restauradores.

Inoculante multiespécies reduz custos e amplia eficiência

A indústria de bioinsumos enfrenta desafios para produzir um inoculante específico para cada espécie florestal. Porém, com a nova formulação, será possível reduzir custos, simplificar a logística e aumentar a eficiência operacional. “Ter um produto de ampla compatibilidade representa um avanço técnico e econômico para o setor”, afirma Faria. Portanto, o objetivo é oferecer um único inoculante eficiente para diferentes espécies florestais, garantindo boa fixação de nitrogênio e desempenho estável em campo.

Três décadas de pesquisa em restauração ecológica

O avanço resulta de décadas de trabalho da Embrapa Agrobiologia, com apoio de universidades, instituições públicas e empresas privadas. A equipe une ciência do solo, microbiologia e ecologia para restaurar paisagens degradadas por meio de processos naturais.
A técnica surgiu há mais de 30 anos, quando pesquisadores buscavam recuperar solos minerados e sem vida. Na época, menos de dez espécies leguminosas, como sabiá, gliricídia e saman, foram testadas.
Hoje, a base de dados da Embrapa reúne centenas de espécies adaptadas a todos os biomas brasileiros, da Amazônia ao Semiárido. “Temos conhecimento para orientar o uso de leguminosas em qualquer tipo de solo e clima”, destaca o pesquisador Alexander Resende.

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Microrganismos transformam solo degradado em solo fértil

A tecnologia se apoia na simbiose entre plantas e microrganismos. Os rizóbios colonizam as raízes das leguminosas, formam nódulos e convertem nitrogênio do ar em nutrientes para as plantas.
Já os fungos micorrízicos aumentam o alcance das raízes, melhoram a absorção de água e fósforo e aceleram o crescimento vegetal.
Essa relação fortalece o solo e reativa ciclos ecológicos essenciais, como a retenção de água e a ciclagem de nutrientes. “Selecionamos bactérias, fungos e plantas capazes de formar um sistema eficiente e sustentável”, resume Eduardo Campello, pesquisador da Embrapa.

Resultados comprovados em áreas de mineração e erosão

A técnica já foi testada com sucesso em áreas de mineração de bauxita e ferro na Amazônia e em Minas Gerais. Também mostrou bons resultados em jazidas de piçarra no Rio Grande do Norte e em encostas degradadas no Rio de Janeiro.
Os primeiros sinais aparecem após 12 meses, com o solo coberto e a erosão controlada. Em até cinco anos, as áreas ganham aspecto de floresta jovem. Após dez anos, mais de 40 novas espécies vegetais voltam a crescer naturalmente — número que chega a 70 espécies na Amazônia.
“A vida volta, e o solo volta a respirar”, diz Faria, que atua com microrganismos desde os primeiros testes da Embrapa Agrobiologia.

Bioinsumo reduz impacto ambiental e fortalece metas climáticas

O uso do inoculante dispensa a adubação nitrogenada mineral, reduzindo custos e evitando perdas de nitrogênio para a atmosfera e águas subterrâneas. Estima-se que metade do nitrogênio de adubos convencionais se perde por volatilização e lixiviação.
A inovação também contribui para as metas ambientais do Brasil, como o Código Florestal, o Planaveg e os compromissos do Acordo de Paris.
“Estamos na década da restauração, e é essencial mostrar soluções brasileiras baseadas na ciência”, reforça Resende.

Parcerias fortalecem o desenvolvimento da tecnologia

O projeto recebeu apoio de instituições como CNPq, Capes, Faperj e Faped, além de empresas como Alcoa, BHP, Vale, Petrobras e Norsk Hydro. Também participaram o Cenpes/Petrobras, o Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), a UFRRJ e diversas prefeituras locais.
A Embrapa planeja ampliar os testes com inoculantes multiespécies e capacitar viveiristas em todo o País. A próxima etapa envolve parcerias com a indústria de bioinsumos para viabilizar a produção em larga escala.

Voçorocas: feridas do solo curadas com ciência

Foto: divulgação – Embrapa/Eduardo Campello

Em tupi-guarani, “voçoroca” significa terra rasgada. O termo descreve as imensas crateras causadas pela erosão acelerada, que ameaçam lavouras, estradas e comunidades.
Há voçorocas com mais de 50 metros de profundidade e 15 mil metros quadrados, formadas ao longo de dois séculos de mau uso do solo.

Um levantamento da Embrapa Agrobiologia na bacia do rio Barra Mansa (RJ) identificou 154 voçorocas apenas no trecho estudado, com 3 milhões de metros cúbicos de solo erodido. “Sabemos o que precisa ser feito: manter o solo coberto, reintroduzir vegetação e usar espécies que melhorem sua estrutura”, enfatiza Resende.

As leguminosas inoculadas com microrganismos benéficos ajudam a reconstruir a cobertura vegetal, fixar nitrogênio e estabilizar o terreno. A ciência comprova a possibilidade de curar as terras rasgadas que viram áreas produtivas e sustentáveis.