A lama do Pantanal não escolhe lado. Nem perdoa. Ela suga tudo, faz barulho, pesa no corpo. E foi ali, no meio desse chão vivo, que o fotógrafo francês François Deymier topou com uma cena que parece exagero. Mas não é. Uma onça-pintada e um jacaré enorme brigando como dois mundos antigos que se encontram sem aviso.

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Deymier já estava há três dias navegando. Três. Rios quietos, sol firme, barcos passando devagar. Nada acontecia. Até que aconteceu. A luta já rolava quando ele chegou. A onça, toda manchada de lama, parecia parte do território. O jacaré, pesado como um tronco molhado, tentava resistir às dentadas rápidas da felina.

Silêncio. Depois um chup seco da lama. Os dois cansados. Quase parando.

Cada movimento parecia custar mais do que podiam pagar. A onça buscava brechas, mordia onde dava. O jacaré revidava com a força velha da espécie, usando o corpo como muralha. Era uma cena crua, daquelas que o Pantanal entrega sem pedir licença.

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A paciência do Francês

Fotografar um momento assim não é questão só de sorte. É teimosia. Deymier conhece o ritmo da região. Sabe ouvir. Sabe esperar. Ele já exibiu parte desse olhar no Museu de Arte do Rio, anos atrás. Mas aquela luta tinha outra energia. Tinha cheiro de coisa que não se repete.

E então tudo virou. De repente. O jacaré escapou. Simples. Imperfeito. Real.

Arrastou-se para longe. A onça, ofegante, deixou ir. Não valia brigar mais. Não houve vencedor. Só sobreviventes cansados, cobertos de barro.

O Pantanal vive um tempo difícil. Seca, queimadas, pressões por toda parte. Registrar uma cena dessas significa lembrar que o ecossistema ainda respira — mesmo ofegante.

As fotos rodaram o mundo. A lama virou narrativa. Virou memória. E, enquanto houver alguém disposto a remar dias por um instante raro, histórias assim ainda encontram caminho pra aparecer. Sem roteiro. Sem glamour. Só natureza pura.