Descobertas destacam a crucial importância das árvores nativas para a sobrevivência dessas aves na metrópole
Foto: José Carlos Motta Junior/Cedida pelo pesquisador

Imagine caminhar pelo campus da Universidade de São Paulo, na Zona Oeste da capital, e se deparar com uma vibrante revoada de periquitos-verdes. A cena, cada vez mais comum, é o ponto de partida de uma investigação científica que desvendou os hábitos à mesa desses moradores alados.

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Foto: José Carlos Motta Junior/Cedida pelo pesquisador

Pesquisadores do Instituto de Biociências da USP foram a campo para responder uma pergunta: o que os papagaios, maracanãs e periquitos comem para prosperar em meio ao concreto? A resposta veio através das lentes das câmeras. Eles documentaram nada menos que 2.929 eventos de alimentação, um verdadeiro banquete composto por 83 itens diferentes.

O cardápio? Quase inteiramente vegetariano e majoritariamente arbóreo. As estrelas do estudo foram três espécies: o periquito-verde, a maracanã-nobre e o famoso papagaio-verdadeiro. Juntos, eles foram responsáveis por 97% das “refeições” registradas. Enquanto o periquito-verde mostrou um paladar eclético, saboreando frutos, sementes e néctar com equilíbrio, as outras duas espécies demonstraram uma clara preferência por sementes.

O professor José Carlos Motta Junior, que coordenou a pesquisa, resume a lógica com uma simplicidade que dispensa rodeios. “Tendo alimento e o local para fazer ninho, eles vão prosperar. E é o que a gente nota aqui.” Ele mesmo se surpreende com a explosão populacional. “Há cerca de dez ou 15 anos, não se via a quantidade de papagaios que observamos hoje.”

A chave do sucesso está nas árvores (principalmente as nativas)

O segredo para essa convivência bem-sucedida na selva de pedra parece estar na própria paisagem da Cidade Universitária. O campus é um oásis de verde, com uma cobertura arbórea extensa que mistura espécies nativas e exóticas. Os dados do estudo são um testemunho dessa relação: 59,5% das plantas consumidas pelas aves eram nativas, respondendo por impressionantes 67,7% de tudo que eles comeram.

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O coordenador da pesquisa utilizou apenas registros fotográficos para trazer rigor às análises. Foto: José Carlos Motta Junior/Cedida pelo pesquisador

Isso é um recado claro para os planejadores urbanos. A pesquisa sugere, com todas as letras, a importância vital de priorizar árvores regionais na arborização das cidades. Mas as aves também demostram uma incrível capacidade de adaptação. Elas não fazem questão só do que é da terra. Consomem as exóticas também, uma prova da sua “plasticidade adaptativa”, como explica Motta Junior.

O pulso do gênio: fotografando o prato dos pássaros

O que realmente diferencia esse trabalho é o método. Ao invés de confiar apenas na observação rápida com binóculos, a equipe adotou a fotografia como ferramenta principal de coleta de dados. “A gente só considerou documentado o que tem fotografia ou vídeo,” afirma o professor.

Foto: José Carlos Motta Junior/Cedida pelo pesquisador

A técnica revelou detalhes que olho nu poderia facilmente perder. “Algumas vezes a gente via eles pegando a flor e achava que era para obter o néctar na base,” conta Motta Junior. “Mas, quando você amplia mais a foto, vê que, na verdade, ele está comendo o pólen, não o néctar.” No laboratório, cada imagem vira um mundo a ser explorado com calma, garantindo um rigor muito maior às análises.

Reescrevendo o final da história

Essa é apenas a primeira página de uma história mais longa. A equipe agora quer investigar o impacto ecológico dessas aves. A visão tradicional na ciência sempre pintou os psitacídeos como vilões para as plantas, porque eles predam as sementes. Mas o panorama está mudando.

“Cada vez mais se descobrem casos, ainda que em menor número, de dispersão de sementes e até de polinização realizadas por essas aves,” revela o pesquisador. As descobertas sobre seu cardápio misto, com forte consumo de nativas, mas a adaptação às exóticas, oferecem informações preciosas. “É o tipo de dado que pode ser útil para [os planejadores] planejarem futuramente que tipo de planta plantar,” finaliza Motta Junior, apontando para um futuro onde a cidade possa ser planejada não só para as pessoas, mas também para sua vida selvagem.

O artigo completo “Diet Of Parrots In An Urban Area Of São Paulo, Southeast Brazil” está disponível online aqui. Para mais informações, é possível entrar em contato com o professor José Carlos Motta Junior pelo e-mail mottajr@ib.usp.br.