Resumo da notícia
- Pesquisadores da Embrapa e Unicamp desenvolveram tecnologias que podem zerar ou tornar negativas as emissões de carbono do etanol, com destaque para o sistema BECCS e o uso de biochar em canaviais.
- O BECCS captura CO₂ da fermentação e o armazena em formações rochosas, enquanto o biochar, feito a partir do bagaço de cana, melhora o solo e sequestra carbono por décadas, contribuindo para a sustentabilidade do setor sucroenergético.
- O etanol brasileiro pode reduzir sua intensidade de carbono de 32,8 para até -81,3 gramas de CO₂ por megajoule com a captura durante a combustão, tornando o combustível capaz de remover mais carbono do que emite.
- Apesar dos benefícios ambientais, os altos custos das tecnologias, como o BECCS e o biochar, limitam sua adoção, exigindo novos incentivos econômicos e regulatórios para viabilizar a implementação em larga escala.
Os pesquisadores da Embrapa e Unicamp desenvolveram estudo revolucionário sobre biocombustíveis. A pesquisa demonstra que novas tecnologias podem zerar a pegada de carbono do etanol. Além disso, o processo consegue até mesmo gerar emissões negativas no setor.
Tecnologias inovadoras transformam setor sucroenergético
O estudo avaliou duas tecnologias principais para reduzir emissões de carbono. Cientistas analisaram o sistema BECCS e a aplicação de biochar em canaviais. Essas soluções podem ampliar significativamente os benefícios do programa RenovaBio.
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O BECCS captura carbono biogênico emitido durante a produção de etanol. Durante a fermentação, as usinas liberam dióxido de carbono que pode ser capturado. Posteriormente, o CO₂ fica armazenado em formações rochosas subterrâneas de forma permanente.
A Usina FS já aplica essa tecnologia pioneira no território brasileiro. A iniciativa reforça o papel dos biocombustíveis na economia de baixo carbono. Entretanto, o processo ainda demanda altos investimentos e infraestrutura especializada.
Biochar melhora solo e sequestra carbono
O biochar transforma resíduos vegetais em material estável de carbono. Pesquisadores submetem bagaço de cana à pirólise com pouco oxigênio. O resultado é um biocarvão que melhora propriedades físicas do solo.
Produtores aplicam o material nos canaviais para sequestrar CO₂ por décadas. Cada tonelada de biochar pode capturar até 1,42 toneladas de carbono equivalente. Além disso, o produto atua como corretivo agrícola natural nas lavouras.
Redução drástica na intensidade de carbono
Atualmente, o etanol hidratado brasileiro apresenta 32,8 gramas de CO₂ por megajoule. Com BECCS na fermentação, o índice cairia para apenas 10,4 gramas. A aplicação de biochar reduziria as emissões para 15,9 gramas por megajoule.
Lucas Pereira, pesquisador da Embrapa, explica cenários ainda mais ambiciosos possíveis. “A captura durante a combustão permitiria resultados negativos de -81,3 gramas”, afirma. Isso significa que o etanol removeria mais carbono do que emite.
Custos elevados limitam adoção das tecnologias
Nenhuma das 300 usinas certificadas pelo RenovaBio adota essas tecnologias atualmente. Os créditos de descarbonização negociam a cerca de US$ 20 por tonelada. Porém, o BECCS custa entre US$ 100 e US$ 200 por tonelada capturada.
O biochar apresenta custo médio de US$ 427 por tonelada do produto. Esses valores elevados impedem a implementação em larga escala no momento. Especialistas apontam necessidade de novos mecanismos de incentivo econômico e regulatório.
Duas frentes de captura de carbono
Nilza Patrícia Ramos, da Embrapa, destaca duas frentes de aplicação estudadas. A primeira ocorre durante a fermentação alcoólica nas usinas de etanol. A segunda acontece na geração de eletricidade a partir de biomassa.
“A fermentação emite CO₂ relativamente puro e mais fácil de capturar”, explica. Já a combustão pode gerar emissões negativas em maior escala comercial. Contudo, essa opção enfrenta custos mais altos e desafios de infraestrutura.
Plantas-piloto já testam armazenamento de carbono em usinas de etanol. Entretanto, nenhuma unidade sucroenergética opera comercialmente com a tecnologia ainda. Especialistas alertam sobre necessidade de mapear formações geológicas adequadas para armazenamento.
Biochar reduz também outros gases de efeito estufa
Cristiano Andrade, pesquisador da Embrapa, destaca benefícios adicionais do biochar. O produto reduz emissões de óxido nitroso, gás muito mais potente. Experimentos consideram aplicação entre 1 e 4 toneladas por hectare cultivado.
A taxa menor é compatível com a rotina atual das usinas. A maior representa o limite viável conforme disponibilidade de resíduos agrícolas. Porém, aplicações excessivas podem afetar negativamente a fertilidade do solo.
Etanol supera gasolina e compete com elétricos
Pesquisadores compararam emissões de veículos movidos a etanol, gasolina e eletricidade. Mesmo sem tecnologias de emissão negativa, o etanol apresenta menor intensidade. Com BECCS e biochar, a vantagem ambiental aumenta significativamente em relação.
Em alguns cenários, o etanol pode superar até veículos elétricos brasileiros. Isso ocorre quando se considera a eletricidade média do sistema nacional. O biocombustível demonstra potencial competitivo frente a todas as alternativas atuais.
RenovaBio precisa de políticas complementares
O programa RenovaBio estimula biocombustíveis com baixa emissão de gases estufa. Distribuidoras de combustíveis fósseis adquirem CBIOs para compensar suas emissões. Cada crédito equivale a uma tonelada de CO₂ evitada no ambiente.
Contudo, o incentivo financeiro atual pode não viabilizar tecnologias de captura. O estudo sugere linhas de financiamento e mercado voluntário de carbono. Nos Estados Unidos, o crédito tributário 45Q remunera até US$ 180/tCO₂.
Potencial de reduzir 12% das emissões nacionais
A implementação em larga escala geraria ganhos expressivos para o Brasil. A combinação de tecnologias poderia resultar em 197 milhões de toneladas. Isso equivale a 12% de todas as emissões brasileiras registradas em 2022.
O cenário mais viável capturaria cerca de 20 milhões de toneladas anualmente. Cada usina certificada sequestraria em média 75 mil toneladas de carbono. Esse volume seria decisivo para cumprimento das metas climáticas brasileiras até 2030.
O país precisa reduzir emissões líquidas para 1.200 milhões de toneladas. Isso representa 500 milhões a menos que o total emitido em 2022. As tecnologias de emissão negativa acelerariam significativamente esse processo de descarbonização.
Desafios na coleta de dados agrícolas
Autores do estudo alertam sobre fragilidades no inventário de dados agrícolas. Usinas ainda apresentam dificuldades para mensurar emissões com precisão total. Isso pode gerar superestimativas ou subestimativas nos cálculos de impacto ambiental.
A análise de mudanças no uso da terra ainda carece de detalhamento. Esse fator é central para avaliar sustentabilidade real da bioenergia brasileira. Especialistas recomendam aprimoramento urgente dos sistemas de monitoramento e rastreabilidade.
Brasil pode liderar transição para combustíveis limpos
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de etanol e biodiesel. O país dispõe de infraestrutura agrícola e industrial robusta para expansão. Além disso, políticas consolidadas como RenovaBio oferecem base regulatória sólida.
O etanol brasileiro já se destaca como combustível de baixo carbono. Com tecnologias de emissão negativa, o país daria salto qualitativo expressivo. Isso colocaria o Brasil na vanguarda da transição energética global atual.
O biocombustível nacional competiria não apenas com combustíveis fósseis tradicionais. A disputa incluiria também veículos elétricos e hidrogênio verde no mercado. Pesquisadores veem oportunidade única para o agronegócio brasileiro se posicionar estrategicamente.
Futuro depende de articulação entre setores
O avanço das tecnologias exige equilíbrio entre inovação e economia sustentável. Mecanismos econômicos precisam tornar o carbono negativo competitivo internacionalmente. Políticas públicas mais ambiciosas são fundamentais para viabilizar os investimentos necessários.
O futuro do etanol depende menos da disponibilidade técnica das soluções. O desafio central está na capacidade de articular incentivos econômicos eficazes. Somente assim o Brasil transformará o carbono negativo em ativo competitivo.
Os pesquisadores concluem que o momento é estratégico para o setor sucroenergético. A janela de oportunidade está aberta para liderança brasileira em biocombustíveis avançados. Entretanto, isso requer decisões coordenadas entre governo, setor privado e academia.