Henry Ford queria abastecer o Modelo T com batatas alemãs e milho, vegetais que quase substituíram a gasolina
Foto: Divulgação Ford Motors

Quando você enche o tanque com etanol hoje em dia, provavelmente não imagina que Henry Ford já tava nessa vibe há mais de 100 anos. O cara não era só obcecado por carros, ele queria literalmente transformar batatas em combustível.

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Foto: Divulgação Ford Motors

Documentos da década de 1910 revelam que o fundador da Ford conduziu experimentos extensos com biocombustíveis, testando desde açúcar e madeira até batatas alemãs. O objetivo? Encontrar um substituto viável para a gasolina antes que ela ficasse cara demais ou simplesmente acabasse.

O Modelo T que rodava com qualquer coisa

Lançado em 1908, o icônico Ford Modelo T tinha uma característica interessante que muita gente não conhece: ele conseguia rodar com gasolina, álcool e até querosene. Não era exatamente um carro flex como conhecemos hoje, mas a flexibilidade do motor de quatro cilindros impressionava.

“Todo mundo está esperando por um substituto para a gasolina”, declarou Henry Ford em 1916 ao jornal Western Brewer, uma publicação voltada pra produtores de cerveja. A escolha do veículo de comunicação não foi aleatória – Ford tinha um plano audacioso envolvendo cervejarias.

O magnata, que era conhecido por não beber uma gota de álcool, viu uma oportunidade quando cerca de 60 cervejarias fecharam as portas em Michigan devido à proibição da bebida. Sua ideia era simples e genial: converter essas instalações em destilarias de álcool combustível.

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Testes surpreendentes nos laboratórios da Ford

Durante 18 meses, a equipe de engenheiros da Ford testou diversos tipos de álcool combustível. Os resultados foram surpreendentes, e até melhores que a gasolina em alguns aspectos.

Foto: Divulgação Ford Motors

Um Modelo T abastecido com álcool apresentou potência 15% superior comparado ao mesmo carro rodando com gasolina. O motor de 20 cavalos ficava mais forte, embora a autonomia fosse um pouco menor. Qualquer dono de carro flex brasileiro reconhece esse trade-off na hora.

Ford testou álcool produzido de várias fontes vegetais: resíduos de fábricas de enlatados, sobras de usinas de açúcar, talos de milho e aquela tal batata alemã especial que poderia ser cultivada localmente. Até materiais que normalmente iriam pro lixo viraram combustível nos experimentos.

A visão futurista de Henry Ford

O empresário não pensava pequeno. Em entrevista ao Western Brewer, ele revelou que já tinha 30 tratores Fordson funcionando com álcool em Dearborn. Mas a visão dele ia muito além dos veículos.

Henry Ford. Foto: Divulgação Ford Motors

Ford imaginava um futuro em que tubulações subterrâneas distribuiriam álcool combustível para abastecer carros, tratores, sistemas de iluminação e cozinhas domésticas, de forma semelhante ao uso atual do gás natural.

“Quando isso acabar não haverá mais gasolina e, muito antes disso, o preço da gasolina terá subido a um ponto em que será muito caro para ser queimado como combustível automotivo”, previu Ford com uma precisão impressionante.

Como a lei seca matou o sonho verde

Apesar dos resultados promissores e do potencial comercial demonstrado, o projeto dos biocombustíveis de Ford enfrentou um obstáculo insuperável: a Lei Seca.

A proibição do álcool começou em Michigan antes mesmo da lei federal entrar em vigor em 1920. Operar destilarias legalmente se tornou praticamente impossível, mesmo que o álcool fosse destinado exclusivamente para fins combustíveis.

Quando a Lei Seca finalmente terminou em 1933, a Ford já tinha seguido em frente. O Modelo T havia sido substituído pelo Modelo A e depois pelos motores V8 de cabeçote plano. A janela de oportunidade tinha fechado.

O legado esquecido

Hoje, quando você abastece seu carro com etanol no Brasil, prática comum desde os anos 70, você tá usando uma tecnologia que Henry Ford ajudou a desenvolver um século atrás. A diferença é que levou décadas pra ideia finalmente decolar.

Os experimentos de Ford com biocombustíveis mostram um lado menos conhecido do inventor: ele não era só um gênio da produção em massa, mas também um visionário ambiental à frente do seu tempo.

Portanto, se a Lei Seca não tivesse atrapalhado, quem sabe os Estados Unidos não teriam se tornado pioneiros em combustíveis renováveis já nos anos 1920? A história dos carros e do meio ambiente poderia ter sido bem diferente.