A brusone, uma doença fúngica que já afeta diversas culturas, está se tornando uma ameaça crescente para a produção de trigo no mundo, impulsionada pelas mudanças climáticas. Segundo o estudo “Production vulnerability to wheat blast disease under climate change”, publicado na Nature Climate Change, o fungo Pyricularia oryzae Triticum, causador da doença, pode afetar até 13,5 milhões de hectares de trigo globalmente, com o potencial de reduzir a produção em 13%.
A brusone é considerada uma das doenças mais recentes e economicamente importantes para o trigo. O fungo ataca folhas e espigas, e em casos graves pode comprometer 100% da colheita. Historicamente, a doença era mais comum em regiões tropicais e subtropicais, favorecida por altas temperaturas e umidade. Contudo,Recentemente, ocorreram surtos em áreas com clima frio ou seco, como no norte de Bangladesh, onde as temperaturas mínimas aumentaram nos últimos anos.Recentemente, ocorreram surtos em áreas com clima frio ou seco, como no norte de Bangladesh, onde as temperaturas mínimas aumentaram nos últimos anos.
No Brasil, a brusone já causou prejuízos significativos. Em 2023, por exemplo, surtos localizados ocorreram no Rio Grande do Sul devido a invernos com temperaturas mínimas acima de 15 ºC. “Com o aquecimento global e variações no regime de chuvas, o fungo encontra novos ambientes para se instalar”, alerta José Maurício Fernandes, pesquisador da Embrapa Trigo.
Histórico de dispersão da doença
A brusone foi registrada pela primeira vez em plantações de arroz na China, no século XVII. No trigo, surgiu em lavouras do Paraná em 1985 e rapidamente se espalhou para outras regiões do Brasil e da América do Sul. Nos anos 1990, a doença causou perdas em milhões de hectares no continente. Na Bolívia, um surto em 1996 resultou em perdas de 80%, e no Paraguai, em 2002, a produção caiu mais de 70%. No Brasil, os piores anos foram 2009 e 2012, com perdas superiores a 40% em lavouras do Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
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A Argentina, o décimo maior produtor de trigo do mundo, registrou a brusone pela primeira vez em 2007. Em 2012, a doença chegou à província de Buenos Aires, um dos principais polos de produção de trigo do país, elevando o alerta sobre a gravidade da situação. Em 2023, o Uruguai também teve seu primeiro caso.
Fora da América do Sul, a brusone foi identificada pela primeira vez em Bangladesh, em 2016, causando perdas superiores a 30% na produção. Dois anos depois, a doença apareceu na Zâmbia, na África.
Projeções preocupantes
Com base em cenários de mudança climática projetados pelo IPCC, pesquisadores utilizaram modelos de simulação para prever o impacto futuro da brusone. A equipe de pesquisa usou o modelo DSSAT Nwheat, da Universidade da Flórida, para analisar variáveis como temperatura, umidade e concentração de CO2, utilizando dados históricos de 1980 a 2010 e projeções para 2040 a 2070.
Portanto os resultados indicam que, além dos países da América do Sul, outras regiões também podem ser afetadas. Isso inclui Estados Unidos, México, Itália, Espanha, França, Japão, China, Etiópia, Quênia, Congo, Nova Zelândia e Austrália. Em um cenário de aumento das temperaturas, a brusone pode se expandir para 30% das áreas de trigo na América do Sul. E também chegar a novas fronteiras agrícolas, como o sul da China e a região mediterrânea da Europa.
“Embora as condições atuais do Hemisfério Norte ainda não favoreçam a doença, o aumento das temperaturas e da umidade pode mudar esse cenário em um futuro próximo”, alerta Willingthon Pavan, professor da Universidade da Flórida.
Impacto na produção global de trigo
Atualmente, a brusone ameaça 6,4 milhões de hectares de trigo no mundo. Assim sendo, até 2050, esse número pode mais que dobrar, afetando 13,5 milhões de hectares e causando uma perda de 69 milhões de toneladas de trigo por ano. Isso representa, portanto, uma redução de 13% na produção mundial.
Fernandes ressalta que, apesar das iniciativas globais para combater a brusone, como o melhoramento de plantas e estratégias de manejo, a erradicação completa da doença ainda não foi alcançada. “A resiliência às mudanças climáticas exige um planejamento baseado em projeções para minimizar as perdas e garantir a segurança alimentar mundial”, conclui o pesquisador.
Além disso, diversas iniciativas estão sendo adotadas para combater a brusone, como o uso de biotecnologia, controle químico e manejo agrícola. Entretanto, o sucesso pleno ainda está distante, o que coloca a doença como um dos grandes desafios para a agricultura mundial no contexto das mudanças climáticas.