Pesquisadores da Embrapa identificaram pela primeira vez, de maneira detalhada, como o fenômeno El Niño afeta o regime de chuvas e a produtividade da soja em uma área do Cerrado brasileiro. Publicado na Revista Agrometeoros, o estudo realizado por Alfredo Luiz, da Embrapa Meio Ambiente (SP), e Fernando Macena, da Embrapa Cerrados (DF), analisou dados climáticos da região de Planaltina (DF) entre 1974 e 2022. A pesquisa revelou que, nos anos de El Niño, a precipitação acumulada nos meses críticos para o desenvolvimento da soja — outubro, novembro e dezembro — foi em média 40% menor do que nos anos de La Niña.
“Constatamos que o aquecimento da superfície do Oceano Pacífico, localizado a milhares de quilômetros do Cerrado, provoca uma redução significativa na quantidade de chuvas durante essa fase crítica do ciclo da soja”, afirma Luiz. O estudo observou uma média de 372 mm de chuva em anos de El Niño, contra 623 mm em anos de La Niña.
Metodologia e resultados
Os pesquisadores utilizaram o Indicador Oceânico Niño (ION), fornecido pela NASA, que mede a temperatura da superfície do Oceano Pacífico. Classificaram os anos de 1974 a 2022 em cinco grupos, baseados nas variações do ION: El Niño, La Niña, fim de El Niño, neutro e início de La Niña.
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A partir dessas classificações, foi calculada a média de chuva e, com o uso de um simulador de crescimento de plantas, o STICS, os cientistas avaliaram a produtividade da soja em diferentes épocas de plantio. Nos anos de El Niño, quando o plantio ocorria em setembro e outubro, as perdas foram significativas. A cultivar BRS 8383IPRO, por exemplo, produziu apenas 493 kg por hectare, em comparação aos 2.418 kg por hectare registrados nos anos de La Niña.
“Os efeitos do El Niño variam conforme a data de semeadura. Plantios realizados em setembro e outubro sofrem mais, enquanto os de novembro e dezembro apresentam menores impactos”, explica Macena.
Impactos para a agricultura
Além de reduzir a produtividade, o El Niño pode comprometer a segurança alimentar ao alterar a quantidade e a distribuição temporal das chuvas. Como observa Macena: “Ao impactar diretamente a chuva, o ele prejudica o desenvolvimento das culturas agrícolas, influenciando também a propagação de pragas e doenças.”
Com base nesses resultados, os pesquisadores pretendem desenvolver sistemas de previsão que identifiquem, com antecedência, a influência do El Niño. E, além disso, permitam que os produtores planejem alternativas de manejo, plantio e cultivares para mitigar os prejuízos. “Sistemas de alerta precoce podem reduzir os impactos negativos e, em alguns casos, até gerar vantagens ao agricultor”, completa Luiz.
O que é o El Niño?
O El Niño é um fenômeno climático que envolve o aquecimento da superfície do Oceano Pacífico, sendo uma das principais fontes de variabilidade climática global. Seus efeitos no Brasil incluem a redução das chuvas no Norte e Nordeste e o aumento das precipitações no Sul. Embora sua influência seja mais conhecida nessas regiões, o estudo da Embrapa demonstra que o fenômeno também altera significativamente o clima no Centro-Oeste.
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“A experiência nos mostrou que há alterações significativas no clima da região central, o que motivou nossa investigação”, conclui Macena.
O estudo da Embrapa reforça a importância de considerar o comportamento do El Niño ao planejar o plantio e o manejo agrícola no Cerrado, uma das principais regiões produtoras de soja do Brasil.