Na expectativa de que a chuva finalmente banhe todo o Distrito Federal, uma lenda popular afirma que o som emitido pelas cigarras anuncia a “boa-nova”. Contudo, o biólogo e pesquisador Fabrício Escarlate, professor do Centro Universitário de Brasília (Ceub), esclarece que o canto da cigarra pode estar mais relacionado a mudanças climáticas do que à chegada da chuva.
Ciclo de Vida das Cigarras
Escarlate explica que a maior parte da vida das cigarras ocorre debaixo da terra, onde elas nascem e se desenvolvem até atingirem a maturidade. “Esses animais passam a maior parte do seu ciclo de vida debaixo da terra se alimentando da seiva das plantas. Essa fase dura de um até 17 anos, dependendo da espécie”, afirma.
Quando as cigarras atingem a maturidade, elas emergem do solo para se transformarem. “Uma vez que a cigarra tenha atingido a idade adulta, ela sai da terra, se pendura na árvore e sofre uma muda ou ecdise para adquirir a sua forma adulta, que é exatamente a forma com asa”, detalha o professor.
Ele também menciona que esse processo acontece ao longo da vida do inseto, mas na transição para adulto, elas abandonam o exoesqueleto antigo, que é a casquinha da cigarra encontrada nas árvores.
Atração e Reprodução
O biólogo ressalta que essa fase é dedicada à reprodução. Os machos “cantam” para atrair as fêmeas e copular. “É uma fase quase exclusivamente voltada para a reprodução, onde o macho emite o som característico das cigarras para então atrair a fêmea e copular. A fêmea deposita os ovos na terra e o ciclo se reinicia”, explica Escarlate.
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Ele acrescenta que essa fase é breve, durando apenas alguns dias ou semanas, coincidindo com a estação chuvosa. Essa sincronia intriga muitas pessoas devido à crença de que o canto dos insetos indica a chegada da chuva.
Conexão entre Cigarras e Chuva
Fabrício Escarlate esclarece que pode haver uma conexão com a chuva. “Quando o ambiente sinaliza a chegada das chuvas, o sistema nervoso das cigarras interpreta essa mudança e estimula a transição para a fase adulta. Isso ocorre por meio dos hormônios da muda e juvenil, que regulam essa transição”, afirma.
Assim, as cigarras não percebem diretamente a chuva; elas respondem às mudanças ambientais.
Essa resposta está ligada à disponibilidade de recursos durante o período chuvoso. Em ambientes sazonais como o Cerrado brasileiro, as chuvas e a oferta de alimentos são cruciais para o ciclo reprodutivo das cigarras. “Essa relação entre cigarras e chuva pode variar em diferentes regiões e biomas, dependendo das condições ambientais específicas”, complementa.
Produção do Som
O biólogo explica ainda como os machos produzem som: eles possuem 11 órgãos no abdômen chamados “órgãos cimbálicos”, que vibram e emitem sons para atrair as fêmeas, podendo alcançar mais de 120 decibéis.
“Da próxima vez em que ouvir o canto das cigarras, lembre-se que é mais do que uma simples melodia. É a história da adaptação desses insetos à sua busca pela sobrevivência na natureza”, conclui.
Impacto das Secas
Escarlate alerta que as secas podem interferir no ciclo reprodutivo das espécies. “Isso pode interferir no ciclo reprodutivo delas porque no início da estação chuvosa é a sinalização para que as cigarras comecem seu ciclo reprodutivo. Certamente com as mudanças no volume de chuvas, no tempo e na periodicidade dessas chuvas, haverá interferências”, destaca.
O pequisador enfatiza que o impacto ambiental não afeta apenas as cigarras. Ou seja, o aumento da temperatura e as secas influenciam toda uma gama de espécies, incluindo as árvores que servem como fonte de alimento para esses insetos. “Em alguma escala, ainda é difícil prever qual será a dimensão desse impacto. Mas sabemos que haverá consequências significativas para toda a biota do planeta”, finaliza o pesquisador da CEUB.