Por mais de dois séculos, um rebanho de cabras resistiu como pôde no meio do nada, isolado na Ilha Santa Bárbara, no arquipélago de Abrolhos (BA). Sem água doce, sem cuidados humanos, sem trégua. Deixadas ali por navegadores coloniais como reserva de carne, elas sobreviveram ao sal, ao calor escaldante e à solidão — como se tivessem feito um pacto com o tempo.
Agora, depois de mais de 200 anos, deixaram a ilha. Mas não por conta própria. Para viabilizar a ação, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) coordenou uma força-tarefa que envolveu a Embrapa, a Uesb, a Marinha e a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab), integrando esforços em prol da preservação ambiental e da pesquisa científica.
As equipes realizaram três missões entre janeiro e março deste ano para retirar 27 cabras da Ilha Santa Bárbara, com apoio logístico da Marinha do Brasil. Desse total, 21 animais seguiram para o campus da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), em Itapetinga. Atualmente, elas permanecem em quarentena, onde se adaptam ao novo ambiente, passam por isolamento. Afinal, jamais haviam tido contato com doenças comuns fora da ilha.
A retirada marca um novo começo: o fim do impacto ambiental causado pelo pastoreio nas ilhas e o início de uma jornada científica. O solo destruído, a vegetação rarefeita e as aves marinhas impedidas de se reproduzir agora têm a chance de se recuperar.

“É como se a gente tivesse achado um tesouro no meio do mar”, diz Ronaldo Vasconcelos, professor de Zootecnia da Uesb. Para ele, o que impressiona por exemplo é a resistência dos animais. “Imaginar um material genético que se desenvolveu em uma ilha sem água é algo extraordinário.”
Estudo genético
E é justamente isso que os pesquisadores pretendem investigar: os genes por trás dessa resistência extrema. Com apoio da Embrapa, os estudos querem identificar essas características genéticas para, no futuro, multiplicar o material, conservar sêmen e embriões e distribuir para pequenos produtores do semiárido.
Num país onde a seca é uma velha conhecida, esse rebanho esquecido pode virar herói improvável da caprinocultura.
Do outro lado, a ilha respira aliviada. Com os cascos fora do caminho, a esperança é de que a vegetação volte a brotar e as aves voltem a pousar. “Que a biodiversidade floresça ainda mais nos Abrolhos e que a pesquisa científica desenvolvida por instituições públicas do mais elevado nível encontre novas respostas para o desenvolvimento da caprinocultura brasileira”, celebrou Erismar Rocha, gestor do Parque Nacional Marinho de Abrolhos.
Essas cabras, que um dia foram deixadas como estoque de carne, atravessaram os séculos com uma teimosia quase poética. Agora, seguem para sua segunda missão: ajudar o sertão a vencer a seca, onde cada pingo d’água vale ouro.
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