Um estudo inovador conduzido pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), localizado em Campinas (SP), revelou uma nova forma de converter o óleo de destilação do etanol de milho (DCO) em combustíveis renováveis, como bioquerosene para aviação e diesel verde. A pesquisa, publicada na prestigiosa revista Nature Communications, detalha a estrutura e o funcionamento de uma enzima capaz de transformar o DCO em hidrocarbonetos similares aos obtidos nas refinarias de petróleo.
A enzima identificada pelo Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), do CNPEM, destaca-se por sua alta eficiência e resistência a temperaturas elevadas, permitindo sua aplicação direta no processamento do DCO. Esse coproduto da produção de etanol de milho, até então subaproveitado, poderá assumir um papel estratégico na indústria de combustíveis sustentáveis.
A atuação da enzima no DCO resulta na descarboxilação do material, removendo o oxigênio dos ácidos graxos e gerando compostos muito semelhantes aos obtidos no refino do petróleo. Além do uso como combustível, esses compostos podem ser aplicados na fabricação de plásticos, cosméticos e outros produtos industriais.
Impacto no mercado e sustentabilidade
O Brasil produziu, em 2023, aproximadamente 145.700 toneladas de DCO, que poderiam ser convertidas em biocombustíveis sustentáveis. No cenário global, estima-se que a produção de DCO chegue a 4,3 milhões de toneladas anuais. O CNPEM é pioneiro no desenvolvimento de tecnologias que permitem o aproveitamento dessa matéria-prima na geração de hidrocarbonetos sustentáveis por meio de processos enzimáticos.
A descoberta também tem implicações econômicas e ambientais significativas. A indústria do etanol de milho no Brasil, em expansão especialmente no Centro-Oeste, poderá agregar mais valor à sua cadeia produtiva. E transformar o óleo residual em combustível para transporte de longas distâncias. Essa inovação fortalece o conceito de circularidade no setor, reduzindo desperdícios e aumentando a eficiência da produção de biocombustíveis.
Avanços científicos e tecnológicos
A elucidação da estrutura atômica da enzima foi possível graças à cristalografia de proteínas realizada na linha de luz Manacá, do Sirius, acelerador de partículas de quarta geração operado pelo CNPEM. Esse equipamento é um dos mais avançados do mundo e permite a análise detalhada de biomoléculas em escala atômica.
“O grande desafio era encontrar uma enzima que pudesse trabalhar diretamente com materiais brutos e variados, como subprodutos industriais. Não só identificamos essa enzima, mas também elucidamos completamente seu modo de ação, compreendendo as características que a tornam extremamente eficiente para atuar no DCO”, afirma Letícia Zanphorlin, pesquisadora do CNPEM e líder do estudo.
Apoio industrial
O projeto, financiado pela Sinochen, incorporada pela PRIO – a maior empresa independente de óleo e gás do Brasil –, recebeu apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e um investimento de cerca de R$ 10 milhões em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D&I).
“A indústria do etanol de milho está crescendo rapidamente no Brasil. Eessa tecnologia abre uma oportunidade única para transformar subprodutos em produtos de alto valor agregado”, destaca Letícia Zanphorlin. O próximo desafio é ampliar a escala de produção e buscar novas aplicações comerciais para a tecnologia.
Eduardo Couto, diretor do LNBR, ressalta o compromisso do CNPEM com soluções sustentáveis. “Nosso foco é desenvolver tecnologias que não apenas reduzam as emissões de gases de efeito estufa. Mas também promovam o uso eficiente dos recursos naturais e a preservação dos ecossistemas.”
Além do DCO, outras matérias-primas renováveis, como os óleos de babaçu e macaúba, também estão no radar da pesquisa. Assim, ampliando as possibilidades para a produção de biocombustíveis sustentáveis e promovendo novas alternativas energéticas alinhadas à transição para uma economia de baixo carbono.
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